sábado, 24 de novembro de 2012

RESPOSTA A GUSTAVO IOSCHPE NO SEU ARTIGO: “QUEM SÃO OS PROFESSORES BRASILEIROS?”




Falar da Educação mexe com toda a estrutura da sociedade em suas mais vastas dimensões, já que ela é monolítica. Tratando-se de professores, muito mais, pois todos, um dia na vida, já passaram pelas mãos de um ou alguém se fez de um. A própria palavra “professor” vem do latim que quer dizer “aquele que ensina, cultiva uma arte ou dedica-se em algo”, como a palavra usada na Grécia διδάσκαλος / didaskalos que quer dizer aquele que ensina, ou que é um mestre. De uma certa forma, as palavras vieram da informalidade, passando, depois, para a formalidade, pois todos precisam passar por um educador ou professor, nem que seja na informalidade.

O texto do economista Gustavo Ioschpe da revista Veja (21/abr/2012) é muito bom para análises econômicas, mas muito deficiente no que diz respeito ao que ele se propõe a comentar – educação e quem realmente é o professor brasileiro. Ele começa seu texto de uma forma bem otimista, pois ele questiona o que chamou de “versão propalada aos quatro ventos”. Ele coloca pesquisas que demonstram que os professores não escolheram a profissão como uma “caída de paraquedas na carreira”, mas que a maioria escolheu por amor à profissão. Demonstra que os dados levam que os professores são mais idealistas e não são derrotados; coloca dados que a maioria dos professores está satisfeito com a profissão quando entrevistados que no início de sua carreira e afirma, também, que somente 10% querem abandonar a carreira.

Não obstante tudo isso, Gustavo Ioschpe coloca toda a responsabilidade do problema educacional no que diz respeito ao ensino-aprendizagem nas costas do professor. Ele afirma: “Essa satisfação é curiosa, porque os professores estão falhando na sua tarefa mais simples, que é transmitir conhecimentos e desenvolver as capacidades cognitivas de seus alunos”. Para isso, ele aponta pesquisas entre os próprios professores. Ele escreveu: “Só 32% deles concordariam em dizer ‘meus alunos aprendem de fato’. Dois terços dos professores admitem que só conseguem desenvolver entre 40% e 80% do conteúdo previsto no ano. Só um terço coloca esse patamar acima de 80%”.

Partindo ainda da sua lógica econômica, ele chega a uma conclusão que o “problema do sistema educacional” é o professor. Ele afirma que o professor sai da universidade, passa em um concurso e “fracassa”, pois seus alunos não aprendem. Ao invés desse professor voltar a estudar, ele continua e isso por que não existe “sanção” ao “professor ineficaz”. No restante do texto, Gustavo tenta mostrar o grande dilema do professor em saber que ele é bom e que os seus alunos não estão aprendendo. Ele termina selando suas críticas afirmando que “os professores criaram uma leitura de mundo à parte e completa para se blindarem contra o próprio insucesso”. Ele afirma, pois, que “na área da saúde, seria ridículo dizer que um pesquisador de laboratório não pode criar um remédio porque nunca atendeu pacientes com aquela doença ou que um medico só poderia realmente tratar do doente se tivesse passado um tempo considerável internado no hospital. E afirma, para a minha surpresa, que para ele é “iniciativas disparatadas melhorar a educação dobrando os salários dos profissionais da área. A maioria dos professores não está com a dignidade abalada”.

Precisamos, primeiramente, entender a tamanha falta de sensibilidade para com a profissão do professor do economista Gustavo Ioschpe. Ele não é professor e, segundo consta no seu currículo, não existe nenhuma especialidade na área da educação, exceto de participação de órgãos não governamentais (Veja na Wikipédia), pois, para minha surpresa, não consta seu nome no currículo na plataforma Lattes.

Realmente Gustavo tem que se defender da blindagem e, nesse caso, a blindagem vem dele, pois ele mesmo sabe que está entrando em um terreno que não tem especialização, nem vivência. Ele não percebe que a lógica do pesquisador de laboratório tem uma falácia, pois este não está tratando de pessoas, mas de coisas e fórmulas químicas, que criam remédios. No entanto, eles não podem medicar com os remédios que eles fabricam porque eles NÃO são médicos. Da mesma forma, o médico não precisa passar pelas mesmas coisas que o doente, mas ele precisa estudar em hospitais e residências específicas para chegar a diagnósticos precisos. Isso é totalmente diferente de um economista que se baseia apenas em dados de pesquisa para ter a coragem de afirmar que “os professores criaram uma leitura de mundo à parte e completa para se blindarem contra o próprio insucesso”.

Temos que pensar que os dados precisam ser interpretados e eles podem ser usados de uma forma falaciosa também. Por exemplo: o autor afirma que é falsa que as condições objetivas da carreira de professor não são satisfatórias e que a “ideia que o professor precisa correr de um lado para o outro, acumulando escolas e horas ‘insanas’ não resiste à apuração dos fatos”. Ele, então, dá os “fatos” dizendo que 57% trabalham somente em uma escola; só 6% do total em 3 ou 4 escolas; 28% lecionam 40 horas e só um quarto tem jornada acima de 40 horas por semana.

No entanto, não se sabe em quais escolas foram feitas essas pesquisas e nem em qual lugar do Brasil, pois a pessoa mais simples da Nação saberia que esses dados não condizem com a realidade brasileira e, principalmente, quando nos referimos ao Nordeste ou aos lugares mais pobres da Nação. Mesmo assim, o que não se percebe é que Gustavo, ao dizer que 57% trabalham em um só escola, não toca nos 43% que negaram. E, se ele acha esse número satisfatório para defender a satisfação objetiva da carreira do professor, é mais uma razão para ele ser um bom economista, mas, só isso.

A outra falácia é quando ele traz uma pesquisa para afirmar que o problema de aprendizagem está no professor. Ele afirma: “só 32% deles concordariam em dizer ‘meus alunos aprendem de fato’”. Isso é uma falácia porque a pergunta foi feita se os alunos aprendem de fato. No entanto, existem várias razões ou causas que levariam um estudante a ser deficiente na aprendizagem. Começando pela sua família desestruturada, uma má alimentação, falta de estrutura, como sala de aula inadequada, livros didáticos, e outras coisas. Ou seja, os professores poderiam ter dito até 1% e mesmo assim a causa não estar nos próprios professores. A aprendizagem inclui vários fatores para acontecer e não somente a prática de ensino. Por isso, Vygotsky afirma que a história da sociedade e o desenvolvimento do homem estão totalmente ligados, de forma que não seria possível separá-los. Ele ainda afirma que a aprendizagem sempre inclui relações entre pessoas. [1]. Da mesma forma, para Jean Peaget, a aprendizagem acontece na medida em que participamos ativamente dos acontecimentos, assimilamos mentalmente as informações sobre o ambiente físico e social e transformamos o conhecimento adquirido em formas de agir sobre o meio. Desta maneira, a aprendizagem, para esses teóricos, não começa na sala de aula, mas muito antes. Portanto, alguém que coloca toda a responsabilidade nas costas de um professor, ainda não sabe o que é apredizagem nem o que é educação.

Na realidade, existem professores ganhando muito mal e sempre na espera que seus salários estejam no dia, pois o atraso é uma realidade para muitos professores do Brasil e principalmente do Nordeste. Existem professores que suportam alunos indisciplinados que apontam dedos, xingam, ameaçam e somente podem pedir por favor. Existem professores que precisam trabalhar em outras áreas porque o seu salário não é o bastante, ficando somente a madrugada para preparar aulas. Logo, como o autor tem a coragem de afirmar que “as iniciativas são disparatadas em melhorar a educação dobrando os salários dos profissionais da área”? E que “a maioria dos professores não está com a dignidade abalada”? O autor demonstra desconhecimento da realidade e prática da educação brasileira.

O economista Gustavo Ioschpe curiosamente não toca que o professor é a única profissão que ele não somente trabalha no seu lugar de trabalho. Ele leva provas, trabalhos e artigos para casa para correção, usa seus fins de semana para preparar suas aulas e passa horas na internet para reservar filmes e slides aos seus alunos quando têm essas ferramentas. Gustavo Ioschpe não fala também que muitas professoras são mães de famílias que deixam seus filhos ainda bebês em casa para cuidar dos filhos dos outros e mesmo assim não são reconhecidas como deveriam.

Portanto, gostaria de responder ao nobre economista que seria melhor fazer seus comentários nas páginas de economia, pois educação ficou muito a desejar porque  uma nação que não reconhece seus professores não pode crescer.

[1] TAILLE, Yves de L., OLIVEIRA, M. K., DANTAS, H., Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. Pág. 23-36, São Paulo, ed. Summus, 1992

8 comentários:

  1. Bosa resposta.

    Também comentei o caso nomeu blog:

    http://essahistoriatoda.blogspot.com.br/2012/12/gustavo-ioschpe-o-que-ele-escreve-se.html

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  2. Tive a infelicidade de ler o artigo do Sr. Ioschpe e resolvi escrever uma resposta. Felizmente outras pessoas já estão fazendo isso. Estou divulgando agora seu artigo.

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  3. Ótimo texto. Vou divulgá-lo.
    Abraço

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  4. Acredito que a intenção do Sr. Gustavo Ioschpe é mostrar a acomodação nacional em relação a educação brasileira. Mostra que o país não possui plano estratégico de desenvolvimento e a falência educacional em que nos encontramos esta aí para ser vista até pelos cegos. Ele não é contra o professor ou a categoria e sim com as tagarelices realizados no meio. Diz-se muito mas pouco se faz. Pais desinteressados, diretores e professores omissos, políticos realizando politicagem, sindicatos interesseiros e assim por diante. Ao meu ver muitos gozam de línguas de trapos. E enquanto ficarmos vendo medidas paliativas sem mobilização para o que realmente interessa, continuaremos perdidos. Já acontece no país de estrangeiros estarem em cargos estratégicos de grandes companhias enquanto ficamos dizendo que a culpa é do salário, do professor, da família desestruturada, blá, blá, blá. A culpa é sua, é minha é de todos que estão escondidos se valendo de teorias, de julgamentos preconceituosos ou dando ouvidos a politiqueiro de plantão. Alguém ao menos tocou na ferida deste país com sabedoria. Sabedoria internacional.

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  5. Professor Vogel,

    Concordo que existe uma acomodação em relação à educação brasileira. No entanto, colocar toda a culpa nas costas do professor como foi escrito não é inteligente. Como você escreveu, inclui pais desinteressados, diretores, professores e políticos com politicagem. Isso, por si, já não se conforma com o texto do Sr. Gustavo que enfatizou claramente que o problema estava no professor. Para quem tem conhecimento de educação, sabe-se que ela é um processo e como tal, precisa de estrutura vinda de cima.

    Não afirmei que a culpa é do salário, pois os professores trabalham apesar de seu baixo salário e, muitas vezes, atrasado. A educação precisa ser pensada como um todo monolítico que incluem Estado, família e escola.

    Na minha opinião, uma pessoa que não tem prática em sala de aula, que não tem formação nenhuma em áreas da educação não poderia ser um comentarista sobre o assunto. Porém, temos que entender que se vivemos num pais que elege Tiririca para deputado federal era de se esperar mesmo que uma pessoa, embora culta, fale sobre educação, mesmo não tendo credenciais, nem conhecimento prático e nem conhecimento da realidade brasileira. Como comentarista sobre educação ele é um bom economista. Nem tudo que é internacional é bom. Esse mito é obsoleto. Ele não se aplica para quem usa o raciocínio nos dias de hoje.

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  6. Gostei de sua crítica, Mário. Acabo de ler o último artigo do Ioschpe na VEJA, e é no mínimo esquisito... Ele deveria falar só de economia mesmo.

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