sábado, 31 de janeiro de 2015

A CONTROVÉRSIA ENTRE CALVINISMO E ARMINIANISMO: DEVEMOS DEBATER SOBRE ISSO? COMO OS MESTRES E PASTORES REFORMADOS DEVEM ENCARAR ESSE DEBATE




Algumas coisas parecem que são temidas por causa de frases de efeitos da sabedoria popular. Por exemplo: “religião e política não se discutem”. Não é raro ouvirmos isso de alguém quando defendemos a fé ou até mesmo questionamos verdades que tenham um teor religioso. No entanto, exatamente por causa da falta de discussão e do silêncio de muitos o mal social e a heresia se estabelecem.

Da mesma forma, não é raro ouvirmos e lermos que não é salutar discutir, defender ou até mesmo escrever sobre a controvérsia entre calvinismo e arminianismo. Alguns afirmam que essa discussão é estéril e não toca em coisas essenciais da fé cristã. Dizem, ainda, que o importante é deter-se nas coisas essenciais da doutrina cristã, ou nos hereges declarados como Mórmons, Testemunhas de Jeová, Espiritismo etc. Mas será que não afeta as doutrinas essenciais da fé?

Os que aceitam a doutrina semipelagiana ou arminiana são a maioria. Isso se deve porque é uma conclusão mais simplista das Escrituras e da natureza humana. Na verdade, não é necessário uma exegese mais detalhada para a percepção arminiana. Para uma pessoa incauta, a análise da palavra κοσμος “mundo” e do pronome παντα “todos” basta significar “cada pessoa que existe” ou que “vai existir”. Essa é a interpretação mais simples e imediata para uma pessoa que não sabe hermenêutica, que não sabe fazer uma exegese ou uma análise do original, mesmo admitindo que há muitos eruditos de alto nível que defendem o arminianismo. No entanto, eles seguem a mesma análise dos incautos, por incrível que pareça.

O segundo motivo é porque essa doutrina vem mais de igrejas pentecostais que influenciaram diversas outras igrejas no mundo trazendo suas doutrinas incluindo sua soteriologia e escatologia. Essas igrejas foram influenciadas por grandes avivalistas arminianos como John Wesley e Charles Finney. Muitos foram influenciados por esses avivalistas como aqueles que ganhavam almas e apelavam às pessoas com maior insistência para que viessem a Cristo, pois a salvação não dependia exclusivamente de Deus, mas também da liberdade de escolha dos seus ouvintes por causa do livre arbítrio.

Diante disso, falar da predestinação e da soberania de Deus era um desafio, pois eram refutados imediatamente por heresia, e as igrejas que falavam sobre isso eram consideradas quase como uma seita. No Brasil, isso foi tão forte que até mesmo nas igrejas que tinham como base a confissão de fé de Westminster cederam ao arminianismo. Não é raro ouvir pastores de igrejas reformadas dizendo que não creem em alguns dos pontos do calvinismo ou até mesmo com ideias completamente arminianas.

O que se pode perceber na história da Igreja é que todas as vezes que o Arminianismo recrudescia, a igreja se corrompia. Vemos isso desde os primeiros séculos com a conversão de Constantino que era um adepto e simpatizante das ideias de Pelágio. Por causa disso, a Igreja da época se corrompeu seriamente buscando a compensação de obras na salvação, os mártires passaram a ser venerados e o culto cristão passou a ter o que o historiador Justos Gonzáles escreveu em seu livro A Era dos Gigantes “a influência do protocolo imperial” (GONZALES, 1995).

Nesse período, um monge se destacou em refutar nesse cenário sombrio do Arminianismo, Agostinho, bispo de Hipona. Agostinho percebeu que a doutrina da Igreja estava sendo ameaçada pelo desvio de Pelágio em distorcer a salvação de Deus e a doutrina da Graça. Por isso, ele refutou com muita seriedade Pelágio e suas doutrinas em sua obra Retractationes, inclusive por achar que suas palavras foram distorcidas por pelágio da sua obra O Livre Arbítrio.

Durante toda a baixa e alta idade média, a influência de Pelágio foi maior que de Agostinho, já que o Imperador simpatizava mais com Pelágio e por ser uma doutrina que apelava mais à glória humana, pois os bispos e papas eram considerados mais santos que os demais, dando a eles autoridade acima mesmo que qualquer pessoa e até mesmo de qualquer interpretação da Escritura. Portanto, a igreja passou a proclamar a salvação por méritos e por obras, vender relíquias para bênçãos espirituais e vender indulgências.

Com a Reforma Protestante no século XVI, Martinho Lutero levantou a bandeira da justificação somente pela fé. Os reformadores buscaram o que Agostinho defendia e passaram a ensinar sobre a Soberania de Deus, a Predestinação e a eleição. João Calvino foi aquele que mais se destacou em defender a fé das doutrinas da igreja medieval que ensinava o mérito humano. As Institutas de Calvino visavam exatamente defender e interpretar alguns textos que a Igreja medieval se baseava para não aceitar a doutrina da eleição e soberania de Deus na Salvação, pois Calvino percebeu que a igreja corria risco nas suas bases.

No entanto, levantou-se o holandês Jacobus Arminius, que trouxe de volta as ideias de Pelágio. Porém, foram rejeitadas pelo sínodo de DORT e foram formulados os chamados cinco pontos do Calvinismo. Porém, aos poucos, os discípulos de Armínio levaram adiante suas doutrinas e, novamente, a Igreja passou por momentos de profunda corrupção doutrinária. Por causa disso, alguns puritanos na Inglaterra se levantaram para defender novamente a fé reformada constituindo a Assembléia de Westminster onde tentaram resguardar a igreja de falsas doutrinas vindas do pelagianismo.

Mais tarde, novamente, a igreja começou a se distanciar da doutrina reformada, chamada “calvinista”. Então, algumas vozes bradaram no século XIX. Dentre eles, os puritanos Jonathan Edwards e Charles Spurgeon que pregavam, escreviam e defendiam a fé reformada. Nessa época, a igreja passou a ter grande influência de teologias liberais influenciadas pelo Iluminismo e por teólogos liberais. Isso aconteceu exatamente por causa do enfraquecimento das doutrina da Graça, pois a Escritura foi fortemente atacada por esses teólogos. O teólogo Karl Barth se destaca em defender a Igreja dessa visão por ser da igreja reformada da Alemanha. No entanto, sua tentativa de refutar o que chamavam de neoprotestantismo ou liberalismo teológico trouxe uma ideia intermediária da Escritura, pois ele afirmava que esta, apenas, continha a Palavra de Deus, mas não era a Palavra de Deus. Mesmo assim, pode-se notar, através dos esforços e das ideias de Barth, que era reformado, que os conceitos de revelação e de Escritura reformados daquela época estavam em total decadência e crise.

Nos nossos dias, com o recrudescimento do fenômeno pentecostal, o calvinismo e os pontos calvinistas ficaram quase esquecidos. Somente nos seminários de igrejas reformadas eram ensinados ou levados a pensar sobre as dificuldades de textos que falam com clareza da predestinação, eleição e soberania de Deus na salvação. Ao contrário disso, as aulas de Teologia Sistemática e Bíblica eram sempre dadas por professores arminianos que eliminavam os pontos calvinistas na salvação e evitavam o debate.

A conseqüência desse avanço do arminianismo e o esquecimento das doutrinas da Reforma nos nossos dias é o recrudescimento de um outro fenômeno, o Neopentecostalismo. O Neopentecostalismo tem o seu terreno fértil na doutrina arminiana, pois segundo essas igrejas, as pessoas são abençoadas quando fazem alguma coisa, seja dando o dízimo, seja indo a uma determinada igreja, seja ungindo objetos, seja levando toalhas, seja recebendo água do rio Jordão. Na verdade, a igreja voltou a agir como a igreja medieval, só que com o nome de protestante.

A outra conseqüência do recrudescimento da doutrina arminiana é a heresia liderada pelo Pr. Ricardo Gondim e, muitas vezes, defendida por Rene Kivitz, que é a chamada Teologia Aberta. Nessa teologia, Deus não tem nada “fechado” e completo, pois Deus respeita o livre arbítrio do homem. Os atributos da onisciência e da onipotência de Deus são profundamente afetados nessa doutrina, em nome de um Deus amoroso, mas que não pode intervir em catástrofes, mazelas e situações críticas sociais. Para esses, só existe um atributo de Deus em ação – o amor.

Qual deve ser a postura dos mestres e pastores reformados?

Não tenho a intenção de fazer uma apologia a intrigas nas redes sociais ou a facções de denominações. Porém, estou defendendo que os mestres e pastores reformados não fujam do debate; não deixem de pregar nos seus púlpitos sobre depravação total, predestinação, eleição, expiação limitada e segurança de todos os crentes.

Os pastores precisam recomendar bons livros de boas editoras como Cultura Cristã, Fiel e Vida Nova. Livros que ensinem sobre a doutrina da Soberania de Deus como as Institutas de Calvino, o livro de James Packer, “Evangelização e Soberania de Deus” da Cultura Cristã; livros de Spurgeon que fala da Eleição, da escravidão do arbítrio; vários livros de John Piper e muitos outros.

As igrejas precisam fazer retiros, seminários e simpósios com mestres e pastores formados e preparados que abordem sobre esses temas abrindo para perguntas para responder as dúvidas de textos que precisam ser interpretados com cuidado, cautela e erudição; devem fazer vídeos que ensinem sobre as doutrinas da Soberania de Deus; e que os pastores possam estar prontos a responder a todos aqueles que têm dúvidas da doutrina da soberania de Deus na salvação. Os pastores precisam estar preparados para irem a debates e precisam estar prontos a defender a soberania de Deus na salvação em qualquer situação. Sabendo que ela é a doutrina dos apóstolos, dos pais da Igreja e da Reforma.

Conclusão:

Precisamos entender que o silêncio da igreja da doutrina chamada Calvinista terá conseqüências mais graves que se possa pensar. Por isso, devo estar pronto para pregar, ensinar e debater, com muito respeito, com qualquer um que questione ou pergunte sobre a doutrina da soberania de Deus na salvação.

Jamais podemos fugir de um debate, em nome de uma comunhão, que distorce a sã doutrina. Qualquer comunhão que o preço seja a sã doutrina não procede de Deus, pois, por isso que Jesus e os apóstolos foram perseguidos (Gl 1.8-9).

Precisamos, sim, ter paciência em responder a qualquer um que, com honestidade, tenha dúvida sobre essa doutrina. Também, precisamos entender que a doutrina arminiana é mais favorável à natureza humana e que é ensinada pela maioria da Igreja em todo o mundo. Portanto, temos que ter paciência, erudição e preparo para responder a razão de nossa fé (1Pe 3.15). Porque, se calarmos, depois, não teremos o direito de criticar as heresias nas igrejas que tem como raiz as doutrinas arminianas.