quinta-feira, 5 de abril de 2012

A CRISE DOUTRINÁRIA NA IGREJA






Dentre as muitas crises que a Igreja evangélica tem passado nos nossos dias, a pior é a crise doutrinária. A pior, na minha opinião, porque a falta de uma doutrina sadia e de um bom ensino na igreja, as várias tendências, heresias e perigos entram na igreja de uma forma impiedosa.

Quanto mais a igreja se afasta do ensino das principais doutrinas da Palavra de Deus, mais coisas esdrúxulas entram na igreja sem base e, como consequência, o nome de Jesus é esquecido e o homem é entronizado porque as principais doutrinas do Evangelho exaltam a Deus no mais alto nível, colocando-nos numa posição que deveríamos ficar – na condição de pecadores miseráveis e carentes da graça de Deus.

A falência da igreja na Europa e nos USA é exatamente porque a Igreja deixou de ensinar as doutrinas principais da fé cristã. Por causa do liberalismo e do secularismo filosófico, as principais doutrinas e a pregação se tornaram insólitas, temáticas e menos exegéticas. Por outro lado, a Teologia da Prosperidade nos USA, aproveitando-se da fragilidade doutrinária dessas igrejas, entrou com muita força fazendo dessas igrejas casas de shows, cassinos da fé, lugares de unções esquisitas e levando as pessoas a serem cada vez mais avarentas em nome de um “Jesus que entrou de Cadilac em Jerusalém”.

Por causa disso, hoje, temos vários ministérios nos USA e no Brasil com o nome de “Voltemos ao Evangelho”; “Heartcry”; “Desiring God”. Todos nomes com uma conotação de voltar às doutrinas dos apóstolos e ao quebrantamento, pois alguns ministérios perceberam a crise da igreja e o que lhe aguarda sem um respaldo escriturístico do verdadeiro Evangelho.

Antes, é necessário explicar o que significa a palavra “doutrina”, pois pode ser que esse texto chegue até uma pessoa incauta e sem conhecimento do que significa essa palavra. Quando falo “doutrina”, evoco a que vem das palavras dos apóstolos no NT, διδαχή (didachrë). Essa palavra significa um conjunto de doutrina já formulada e conhecida e está relacionada aos temas teológicos da Palavra de Deus e não a usos e costumes como alguns afirmam.

Portanto, podemos perceber algumas evidências que a igreja está passando por uma crise doutrinária:

1.     A pobreza doutrinária dos cânticos cantados nos louvores

É triste ver como os cânticos refletem o conhecimento doutrinário de quem os fez e de suas igrejas. Cânticos que erram nas doutrinas centrais da fé ou que nem as citam. Por exemplo, músicas que pedem para tocarmos, abraçarmos e termos um relacionamento íntimo de homem e mulher, sendo que a Bíblia somente dá esse espaço a Cristo e a sua Igreja e não a nós como indivíduos (veja meu post sobre isso). Nós somos parte da igreja e não a igreja de Cristo; somos membros do corpo e não o corpo.

Letras que trazem uma doutrina duvidosa da confissão positiva, de decretos e de restituição, falando que o diabo já está debaixo de nossos pés (veja meu texto na Fides Reformata sobre isso). Sem falar nas várias doutrinas esquecidas como a mensagem da cruz incluindo a justificação, santificação, regeneração e da santidade de Deus.

2.     Uma visão hostil para as doutrinas da predestinação e eleição

O segundo motivo que notamos uma crise doutrinária na igreja é uma visão hostil para as doutrinas da predestinação e da eleição. Podemos até entender que as respectivas doutrinas são polêmicas; que existem textos bíblicos controversos que precisam de uma exegese mais apurada e trabalhada para se chegar à interpretação e que existe outro entendimento sobre a predestinação. Porém, o que não se pode aceitar é que um membro de uma igreja ou um pastor afirme que a “predestinação” e a “eleição” são doutrinas heréticas e quem as aceita é herético. Quem afirma tal coisa, não somente tem uma baixa base nas Escrituras como não teve um ensinamento eficaz na sua igreja.

A doutrina da predestinação e da eleição jamais podem ser consideradas como heréticas devido às fortes bases na Bíblia, fora o contexto em todas as Escrituras do controle e agir de Deus no meio de seu povo e das nações (Is 14; 15; Ef 1.3-7; 11; Rm 8.28-30; 2Ts 2.13,14). Portanto, diante desses poucos textos, já era para alguém, que tenha uma bom senso e uma base mínima doutrinária, aceite que a predestinação é completamente bíblica, embora que possa haver uma interpretação semipelagiana que difere, em muito, dos reformados do séc. XVI. Porém, jamais alguém pode afirmar que a predestinação é “antibíblica”.

A consequência do abandono dessa doutrina é o avanço da chamada Teologia Aberta ou Relacional, onde negam a soberania e a onisciência de Deus. E não são poucos que têm aderido a ela. Seja de uma forma direta, seja de uma forma indireta.

3.     A existência de várias coisas estranhas em nome de unção, ordenação e rituais judaicos

Nesses últimos anos, os temas mais debatidos nas convenções da maioria das denominações são a ordenação feminina, apóstolo como líder maior de uma denominação e, até, “patriarca”. A igreja não teve suporte para aguentar a pressão do feminismo e das várias visões que passam por cima de textos, apenas, como desculpa que Paulo falava somente para a época. Afirmam que alguns textos que Paulo coloca em dificuldade a ordenação feminina são, apenas, uma circunstância e não um princípio absoluto que a igreja deva aceitar, mesmo com uma exegese gritando pelo o contrário.

As várias unções, desde a do riso, passando pela do canguru, quatro seres viventes até a unção do leão levou a igreja a absurdos que jamais se viu na história. Pessoas compravam quadros de leão, davam nome a seus ministérios e até encenavam como tais esquecendo que o diabo também foi retratado como leão (1Pe 5.8) e que este era apenas uma metáfora mediante o seu contexto, assim como Jesus foi chamado de Anjo da Aliança no VT, sendo Satanás também um anjo.

Procissões levando a arca e o som de shoffar no louvor de várias igrejas demonstram também um baixo conhecimento do NT que explica e interpreta o VT fazendo que algumas cerimônias e coisas dos rituais judaicos não tenham mais valor nenhum.

A consequência disso é o abandono de alguns para o judaísmo como aconteceu na Paraíba, onde pastor e algumas ovelhas aderiram ao judaísmo, negando, até mesmo, a Cristo como Messias e Deus.

4.     O aumento do comércio da fé

Não é de admirar que o comércio da fé recrudesça num terreno de baixo teor teológico. Isso porque os incautos e aqueles que têm pouco conhecimento doutrinário não põem a sua fé firmada nas doutrinas centrais da Palavra de Deus como justificação, expiação e santificação. Se a base e a motivação da fé não está na salvação de Deus em Cristo Jesus, resta ter, como espiritualidade e propósito de fé, a prosperidade e a riqueza. Esses buscam nos atos proféticos e nas várias campanhas, que enricam os pastores televisivos, alimentando mais as suas próprias ganâncias e avareza, pois eles querem, apenas, sair de seus problemas, não querem nenhum compromisso com Deus e as consequências desse compromisso (2Co 2.13,14;17).

Acrescentado a esse comércio, vem a criação e aceitação do título de “apóstolo” e “patriarca” (veja meu texto sobre isso). No entanto, é muito estranho que no século XX e XXI tenha aparecido esse título na igreja, pois não há nenhum registro nos escritos dos Pais da Igreja Cristã que eles foram chamados de apóstolos, se não, os genuínos apóstolos do NT ou os hereges que se autointitulavam como alguns da igreja de Éfeso (Ap 2.2), Marcion, Arion e outros. Portanto, o comércio da fé e a aceitação desses mercadores demonstram um baixo conhecimento doutrinário.

A consequência disso é o que o Pr. Paulo Romero escreveu em seu livro: “Decepcionados com a Graça” que muitas pessoas estão frustradas e têm abandonado a esperança na pregação na igreja por causa de falsas promessas e de falácias vindas de uma interpretação errada na Bíblia.

5.     A ênfase de temas organizacionais e administrativos em detrimento aos temas doutrinários

Hoje em dia, acontece uma síndrome interessante que poucos notam. Os congressos de pastores e obreiros ou mestres evidenciam mais a parte organizacional e administrativa que a doutrinária. Os temas doutrinários são esquecidos e quase nem tocados. Eu pesquisei alguns temas de congressos na internet e, com exceção do congresso Fiel, Consciência Cristã e Vida Nova, que são exemplos, os temas vão de como administrar a sua vida, a igreja, a casa, as finanças, pastoreio de pastores etc, mas nenhum tema doutrinário. Diga-se de passagem que são assuntos importantes, mas o problema é que estão fazendo o edifício começando das paredes e esquecendo o alicerce. Como falar de administração da vida ou da igreja se não se tem o conhecimento amplo sobre a doutrina da graça, da justificação, salvação, juízo, disciplina de Deus, doutrina da Trindade e outras? Afinal de contas a administração é totalmente relativa à várias motivações do que conheço sobre Deus, salvação e da graça, pois ninguém pode dizer como eu administro a minha vida; exceto, a Bíblia que tem princípios como devo viver. Isso é o bastante. A administração fica por conta de cada um.

Jesus não pede para que nós ensinemos administração aos seus discípulos, mas que ensinemos “as coisas que ele tem ordenado” (Mt 28.20). Administração aprendemos em universidades, mas os princípios de Deus, na igreja.

Poucos congressos de pastores incluem doutrina. Com exceção do congresso Fiel, Consciência Cristã e Vida Nova, que são referenciais, a maioria vai para a superfície. Quando foi que vimos um congresso que tivesse como tema a “Justificação pela fé”; “Certeza da Salvação”; “A graça no Velho Testamento”; “Inspiração e inerrância Bíblica”; “A expiação de Cristo no VT e o seu cumprimento no NT”; “Eleição e soberania divina”; ou até mesmo “a Soberania e Responsabilidade humana”; “Propiciação”. Quando me refiro a esses temas, não falo somente aos temas propriamente ditos, mas também outros que fundamentem esses com pregações expositivas, coisa que é muito difícil de acontecer em alguns congressos.

A consequência disso é que, como nunca, dúvidas e heresias antigas entram na igreja, como por exemplo, a heresia que nega a Trindade como pessoas distintas; a volta de heresias como o aniquilacionismo e a negação do inferno. Essas heresias têm se levantado diante desse caos doutrinário e que a igreja parece que não percebeu o perigo disso.

No entanto, o que levou a esse caos doutrinário na igreja atual? Na minha opinião, existem alguns motivos:

1.     Liberalismo teológico nos seminários

Os seminários no Brasil foram fortemente influenciados pela filosofia iluminista através dos teólogos liberais. Estudantes que liam mais livros liberais que ortodoxos. Claro que não é errado ler livros liberais. Contato, que haja um equilíbrio acompanhado de uma apologética pressuposicional. Para piorar isso, alguns professores ensinam com uma cosmovisão totalmente liberal trazendo dúvidas e levando falácias venenosas aos seus alunos. Por outro lado, aqueles que não têm ideologia liberal não trouxeram uma apologética dos pressupostos desses filósofos e teológos. A consequência disso é que esses estudantes saem para as suas igrejas pregando a Palavra de Deus, mas cheios de dúvidas com relação à sua inspiração, milagres e até se a Bíblia é a Palavra de Deus ou contém, como afirmava Karl Barth.

Portanto, esses pastores não poderiam se dedicar ao ensino sistemático e exegético das Escrituras nas suas igrejas, mas apenas uma pregação técnica temática que alise o ego das suas igrejas, pois para que dedicar-se em um texto questionável.

2.     Pregação superficial e temática

Na minha opinião, não tem algo mais urgente na teologia do que formar exegetas e teólogos com capacidade de interpretação das Escrituras. Apesar de que alguns enfatizam o curso de ministério incluindo a pregação, o grande problema da pregação não é a sua técnica oratória, mas seu conteúdo. Não adianta alguém ser PhD em ministério, sabe pregar maravilhosamente bem, se sua exegese é defeituosa e precária.

Na maioria das vezes, os pastores deixam de dedicar-se na pregação e num bom preparo desta. As pregações são superficiais, escolhendo textos vésperas e até quase na hora. Esses pastores, apesar de terem uma formação teológica, abandonam o uso da hermenêutica, da exegese e das questões centrais teológicas. Até afirmando que não pregam teologia e que esta não é importante.

As pregações passam a ser temática, por ser mais fácil e exigir menos do pregador ou do tipo “10 passos para ser feliz, inteligente, próspero, vencedor, etc”. A pregação exegética fica para poucos devido à necessidade de preparo como, também, de um compromisso com o que o texto realmente quer falar. Por exemplo, como pregar expositivamente em um texto que fale em avareza numa igreja que valoriza o dinheiro e a prosperidade? Ou pregar em Romanos 8 ou Efésios 1 sem falar na predestinação? Portanto, a pregação expositiva é para corajosos e preparados.


3.     Ênfase ao louvor em detrimento da Palavra de Deus

A igreja desenvolveu muito no ministério do louvor. Hoje, existem milhares de grupos de todos os tipos e gostos. No entanto, hoje em dia, a ênfase e prioridade do culto que deveríamos dar à Palavra de Deus está sendo dada ao louvor. Igrejas que dão uma hora e meia ao louvor e apenas vinte minutos bem corridos de pregação e quando essa vem sadia em doutrina.

Por causa disso, as pessoas, que poderiam aprender sobre textos e doutrinas essenciais da fé, ficam apenas no superficial da emoção das várias frases repetidas pelo dirigente do louvor sem necessidade nenhuma, já que a prioridade está ficando em detrimento.

4.     Deficiência de Estudos Bíblicos e da EBD

Uma das causas dessa crise é exatamente a negligência dos pastores que são responsáveis de ensinar à igreja. As grandes doutrinas da fé cristã e as exposições das Escrituras são esquecidas e deixadas para as células, que é uma opção compreensível, mas quando se deixa toda a responsabilidade do ensino da Igreja às células é perigoso, pois, aos pastores e mestres, foi dada a responsabilidade do ensino porque foram preparados para tal função. Não é à toa que Paulo adverte muito a Timóteo que pregasse a Palavra, ensinasse e lesse as Escrituras (1Tm 4.11-13; 2Tm 4.1,2). Daí, as oportunidades de estudo na EBD são trocadas por pregações temáticas superficiais que não fundamentam os seus ouvintes.

Deixo bem claro que não sou contra o estudo sistemático de grupos familiares e células. O que eu questiono é o abandono total da programação da igreja em não ter um dia em que haja um estudo com o pastor das doutrinas fundamentais da fé como Paulo fazia a ponto de aprofundar-se pela noite (At 20.7-9).

5.     Pouca leitura bíblica

Hoje, nós passamos por outro fenômeno. A Bíblia tem sido o livro mais acessível que se pode ter. Existem Bíblias em software, para celulares, para tablets, de todos os tamanhos, de todos os gostos. Para aqueles que não têm Bíblia, esses podem acessá-la pela internet, pois existem vários sites que as disponibilizam, como as línguas originais também. No entanto, hoje se lê menos a Bíblia que os dias anteriores. Segundo algumas pesquisas, pouquíssimos pastores leram a Bíblia toda. Muitos membros de muitos anos na igreja têm dificuldades de achar um livro pouco lido na igreja ou somente sabem sobre Davi, Abraão pela pregação do pastor ou de algum filme que passa na TV.

A consequência disso é a falta de uma percepção do todo bíblico diante do que se ouve e recebe nos púlpitos e na TV, que é o lugar onde mais se engana os incautos. É na TV que pessoas colocam copos d’água, dão ofertas para serem abençoados e pedem toalhas com o suor de apóstolos. No entanto, sabemos que não é o bastante, pois é necessário conhecimento da Hermenêutica para uma boa interpretação das Escrituras e, por isso, precisamos estar em uma igreja que não seja comercial tendo mestres e pastores que ensinem “todo o conselho de Deus” (Ef 20.27).

CONCLUSÃO

A igreja precisa entender que o abandono das Escrituras é o começo de um caos na igreja. Foi assim que começou na idade Média. As Escrituras foram colocadas ao lado das tradições e da igreja. Por causa disso, ela se tornou desnecessária, não atual. O importante era sensação de religiosidade e obediência aos oficiais da igreja.

Hoje, temos coisa semelhante. O que importa para alguns não é se alguma doutrina tem base nas Escrituras, se tem procedência ou não; mas se ela dá resultado e que venha pregada por um apóstolo ou patriarca que reivindique que é homem de Deus e profeta do Senhor.

Portanto, precisamos, pelo menos, perceber os perigos dessa crise e fazer a nossa parte em valorizar as Escrituras Sagradas para que, quando alguém bater em nossa porta vendendo indulgências, estejamos preparados.

5 comentários:

  1. Concordo em gênero e número. Hoje nunca há como, há um grande número de pastores que estão mais preocupados em pregar o que o povo deseja ouvir,em vez de pedir qual é a mensagem que o Senhor da Igreja deseja que seja transmitida.
    Concordo em gênero e número.Vou repassar.
    Pr. Jacob Miguel klawa.

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  2. Concordo com seu comentario pastor, irei toma-lo como referencia para uma reflexao dominical em nossa igreja. Que Deus continue te abencoando com saúde e paz.
    Pr. Herivando Costa

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  3. Respostas
    1. Anônimo Ignorante, eu te respondi no outro post: Veja os últimos comentários. É exatamente para você. http://fcomario.blogspot.com.br/2010/12/e-errado-falar-palavra-shekinah-uma.html?showComment=1439040544559

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