O texto de Romanos 9 traz um
incômodo contundente àqueles que aderem à doutrina arminiana ou semipelagiana.
Por isso, é muito comum ter nos sites e blogs arminianos textos que tentam
interpretar Romanos 9 refutando o que eles dizem a “interpretação reformada”.
O site “Pentecostais Verdadeiros”
teve o cuidado de expor a refutação de Roger Olson a uma afirmação de John
Piper que, segundo ele, John Piper, ao ser questionado se algum teólogo arminiano
o influenciou em algum momento da sua vida, respondeu que nenhum teólogo
arminiano o influenciou, pois “eles têm uma exegese decepcionante”.
Eu tenho o mesmo ponto de vista
do Dr. John Piper. Os teólogos arminianos têm uma exegese completamente
deficiente e, facilmente, um estudioso atento pode perceber e demonstrar isso.
O site Ministério Apologético colocou um texto de autoria de William Lane Craig respondendo a questionamentos de um jovem ateu que inclui o texto de Rm 9. O Dr. Craig é um bom apologista, mas tenho que admitir que quando o Dr. Craig
vai para as Escrituras, nesse assunto, demonstra uma total inabilidade
exegética ratificando o que o Dr. John Piper afirmou.
O Dr. William Lane Craig tenta responder a um
jovem ateu por nome Darrin que o escreveu de uma forma muito sincera sobre
alguns problemas que ele tinha sobre a existência de Deus. O primeiro problema
lida sobre a ressurreição de Cristo que não vou tocar, pois nisso andamos
juntos e a sua reposta foi bem satisfatória. No entanto, a segunda dificuldade
do jovem ateu, Darrin, deixou-me impressionado com a sua visão do texto. É
nessa resposta que me dedicarei para demonstrar a distorção de alguns aspectos
exegéticos que não foram levados em conta no texto do Dr. Craig.
O que me impressiona é que o ateu
coloca, como uma dificuldade, o caráter de Deus e usa o texto de Romanos 9 e
João 6.65 para afirmar que Deus, segundo ele, é “tirânico e indigno de adoração
e de fato é difícil para alguém de fora da fé responder à interpretação
calvinista de Romanos 9 com algo menos que ódio”. O mais interessante é a
seguinte declaração do ateu: “Muitos reformados pensam que esta passagem mostra
a dupla predestinação e a eleição incondicional, e sou forçado a concordar com eles – como também Cristo em Jo
6.65!”.
Ele colocou a dificuldade do texto
quando Paulo afirma em Rm 9.17: “‘Eu o levantei exatamente com este propósito…’
e então discute a ideia que os vasos que Deus fez para ‘uso comum’ existem
somente para o propósito de mostrar sua paciência aos seus vasos mais
especiais.”
O jovem ateu admitiu sobre o
texto o que qualquer pessoa honesta intelectualmente, que tenha um certo
conhecimento de leitura, literatura e lógica linguística chegaria: o texto diz
o que realmente ele quis dizer – Deus é totalmente soberano em sua salvação.
A resposta do Dr. Craig passou
por vários problemas que gostaria de destacar:
O Dr. Craig responde esse segundo
questionamento dizendo que:
devido à teologia reformada, temos a tendência de ler Paulo como que limitando o escopo da eleição de Deus a uns poucos escolhidos, e aqueles que não foram escolhidos não podem reclamar se Deus em sua soberania os despreza.
Ele conclui dizendo que acredita que é uma interpretação
equivocada do capítulo que não leva em conta o contexto da carta. No entanto,
percebe-se que quem não levou em conta, não só o contexto da carta, mas o contexto
imediato e a analogia das Escrituras foi o Dr. Craig como vou demonstrar nesse
texto.
O Dr. Craig não levou em conta
que quem limita o escopo da eleição não são os reformados, mas a própria Bíblia.
Há duas grandes evidências sobre isso: a exegética e a textual com analogia de
outras passagens.
A evidência textual e
etimológica:
O Verbo grego usado para “eleger,
escolher” é ἐκλέγω. Esse verbo é um composto de duas palavras: a preposição ἐκ
“sair de” mais o verbo grego λέγω, “falar”. Implicava em escolher algumas
pessoas de um determinado grupo apontando. Por isso a preposição ἐκ na
etimologia da palavra. Portanto, quando se afirma que essa palavra é usada para
“escolher a todos”, está fazendo a declaração mais patética que se possa ver ou
ouvir.
Esse verbo é usado cerca de 19
vezes no NT, e todas as vezes que ele é relacionado à Igreja ou aos convertidos
jamais quis demonstrar uma escolha de todas demais pessoas.
Os textos que são usados para outras
escolhas, todos eles demonstram que a escolha não inclui o todo, mas escolhe-se
DE um todo. Por exemplo:
Luke 10:42 2 Entretanto, pouco é
necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não
lhe será tirada.
ενος δε εστιν χρεια μαρια δε την
αγαθην μεριδα εξελεξατο ητις ουκ αφαιρεθησεται απ αυτης
Notemos que την αγαθην μεριδα
está em completa ênfase demonstrando o que Maria escolheu εξελεξατο, que era
estar com Cristo em vez de ajudar sua irmã.
Portanto, quando o Dr. Craig e os
arminianos afirmam que a eleição inclui todas as pessoas, eles estão colocando
em vulnerabilidade a capacidade exegética, lógica e cognitiva deles.
Imaginemos que um professor
dissesse em uma sala de aula: “eu resolvi escolher da sala quem deve fazer a
minha prova no próximo mês!”. Os alunos ficariam perplexos esperando o
professor falar os nomes. Depois, o professor fala: “eu escolhi todos vocês”. O
mínimo que aconteceria era que a turma toda riria desse professor ou pensaria
que ele tinha um raciocínio deficiente, e se ele continuasse a defender isso,
seria diagnosticado como esquizofrênico. Como alguém que diz que vai escolher o
todo? Isso seria completamente redundante e patético.
Ou imaginemos que toda a mídia
apreensiva esperasse o técnico da Seleção Brasileira dizer os nomes daqueles
que iriam fazer parte dos jogos da Copa. Ele senta na cadeira e afirma: “eu
escolhi todos os jogadores”. Os repórteres ficariam da mesma forma quando um
calvinista lê ou ouve de um arminiano que afirma que Deus escolheu todos para a
salvação. Realmente é de sentir dó!
2. A evidência da analogia das
Escrituras
A segunda evidência que temos é a
mais contundente, pois fala da analogia das Escrituras que é um princípio
básico da Hermenêutica, ou seja, a Bíblia interpreta a própria Bíblia.
Comecemos pelo VT:
Isaiah 41:8-9 8 Mas tu, ó Israel,
servo meu, tu, Jacó, a quem elegi, descendente de Abraão, meu amigo, 9 tu, a quem tomei das
extremidades da terra, e chamei dos seus cantos mais remotos, e a quem disse:
Tu és o meu servo, eu te escolhi e não te rejeitei,
O profeta Isaías está se
referindo ao povo de Israel, pois Deus personifica esse povo chamando-o de
“servo meu”, Israel e Jacó, pois eram descendentes de Abraão, Israel e Jacó. No
texto, Deus fala que escolheu o seu povo de todos os povos da terra. O verbo
hebraico בהר bachar está no qal perfeito que quer dizer “escolher,
eleger”. Os rabinos judeus da LXX traduziram com o mesmo verbo grego ἐκλέγω do
NT. E assim, vários outros textos que fazem o uso das mesmas palavras e
demonstram que Deus escolheu o seu povo e não todas as pessoas.
Isso confirma o que Deus já tinha
falado a seu servo Abraão:
Genesis 18:17-19 17 Disse o SENHOR: Ocultarei
a Abraão o que estou para fazer, 18
visto que Abraão certamente virá a ser uma grande e poderosa nação, e nele
serão benditas todas as nações da terra?
19 Porque eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua
casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do SENHOR e pratiquem a
justiça e o juízo; para que o SENHOR faça vir sobre Abraão o que tem falado a
seu respeito.
Nesse texto, Deus demonstra que a
escolha é individual para chegar a uma nação. Deus escolheu Abraão, e dele
viria uma grande nação. Isso vai contra a ideia que a eleição é apenas a nação
e não o indivíduo como vou abordar isso mais na frente.
No NT, são contundentes mais
ainda os textos:
Matthew 22:14 14 Porque muitos são
chamados, mas poucos, escolhidos.
Essa expressão se repete de Mt
20.16. A palavra grega εκλεκτοι usada para “escolhidos” vem do mesmo verbo
grego ἐκλέγω. Portanto, Jesus afirma claramente que poucos são escolhidos.
Jamais a escolha inclui todas as pessoas.
No entanto, uma das falácias dos
arminianos é dizer, quando não têm respostas, que o texto não se refere à
salvação. No entanto, o contexto é de paráboras demonstrando a escolha soberana
de Deus em escolher um povo que não fosse judeu, portanto, relacionando-se à
salvação dos gentios também.
John 15:16 16 Não fostes vós que me
escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei
para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo
quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda.
ουχ υμεις με εξελεξασθε αλλ εγω
εξελεξαμην υμας και εθηκα υμας ινα υμεις υπαγητε και καρπον φερητε και ο καρπος
υμων μενη ινα ο τι αν αιτησητε τον πατερα εν τω ονοματι μου δω υμιν
Esse texto é bem forte em
demonstrar que a eleição e escolha de Deus não são para todos. Jesus afirma que
não foram eles que o escolheram. Isso quer dizer que não houve nenhuma ação
vindo do “livre arbítrio” vindo dos discípulos para com Jesus. Ele os escolheu.
Para a falácia dos incautos em
afirmar que não se trata de salvação, mas essa escolha se refere somente aos
discípulos em específico, devemos lembrar que se tirarmos esse verso somente
para os discípulos, tiraremos os demais. Portanto, o ensinamento de Jesus em
dar fruto e estar na Videira cai por terra para a Igreja também. No entanto, os
apóstolos quando escreveram os Evangelhos tinham a intenção de falar à Igreja e
eles sabiam que se referia ao povo de Deus. Em todo caso, de alguma forma,
Cristo que os escolheu e não o contrário.
Para falar ainda do que o Dr.
Craig interpretou de Romanos 9, vamos tentar responder algumas más
interpretações dos arminianos quando lidam com esse texto porque, em suma, eles
seguem pelo mesmo caminho.
O Dr. Craig começou a expor que
Paulo tinha a intenção de mostrar que judeu não era somente os da carne e que a
justiça de Deus não vinha das obras da Lei. Ele reconhece que Paulo queria
mostrar aos judeus que Deus escolheu também os gentios, que eram considerados
“cães” pelos judeus.
Com isso, Dr. Craig afirma que o
capítulo 9 de Romanos é para explicar que Deus tem misericórdia dos gentios
também por que ele escolhe quem ele quer. Ele escreveu:
“A resposta de Paulo é que Deus é
soberano. Ele pode salvar quem ele quiser, e ninguém pode objetá-lo. Ele tem
liberdade para ter misericórdia de quem quer, até mesmo dos execráveis gentios,
e ninguém pode reclamar de que Deus está sendo injusto.”
O Dr. Craig começou bem. O
problema é que ele esqueceu ou não levou em conta que os exemplos que Paulo deu
em Romanos 9.1-24 foram somente de indivíduos judeus e não gentios. Isso
significa que Paulo queria mostrar que os judeus, apesar de terem o privilégio
de serem responsáveis pelos oráculos de Deus (Rm 3.2) e de descenderem o Cristo
(Rm 9.4), precisavam também de um ato soberano de Deus para responder com fé, e
não somente os gentios.
Paulo jamais queria ensinar nesse
texto que a escolha soberana de Deus era somente os gentios, pois ele começou
com os judeus (Rm 9.1-23) para depois falar dos gentios (Rm 9.24-26).
Para aqueles que afirmam que
Romanos 9 é somente para os judeus ou para a nação de Israel comentem erro
gravíssimo de Hermenêutica, pois Paulo tem exposto nesta epístola desde do
primeiro capítulo que a igreja (de Roma) era composta de judeus e gentios, e
que ambos precisavam de fé para a salvação.
Romans 1:7 A todos os amados de Deus, que estais em
Roma, chamados para serdes santos, graça a vós outros e paz, da parte de Deus,
nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.
Depois, Paulo, várias vezes,
ensinou que a Salvação de Deus, desde o VT, incluía a fé e não somente um
critério étnico. (veja meu texto na Fides Reformata sobre a interpretação de Rm11.26)
Paulo, então, argumenta e deixa
bem claro que o propósito de Deus era a sua igreja composta do seu povo do VT e
que se uniu aos gentios pela promessa:
Romans 9:6-8 6 E não pensemos que a
palavra de Deus haja falhado, porque nem todos os de Israel são, de fato,
israelitas; 7 nem por
serem descendentes de Abraão são todos seus filhos; mas: Em Isaque será chamada
a tua descendência. 8
Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser
considerados como descendência os filhos da promessa.
Paulo mostra que a igreja é
composta dos “Filhos de Deus”, que são os filhos da Promessa que são compostos
de judeus e gentios. Notemos que Paulo escreve que os filhos de Deus não são
propriamente os da carne. Ele se refere aos judeus que tinham apenas a geração
étnica. No entanto, quando ele fala sobre os filhos da promessa, ele se refere
tanto a judeus como também a gentios.
Romans 3:30 30 visto que Deus é um só, o
qual justificará, por fé, o circunciso e, mediante a fé, o incircunciso.
Por isso que Paulo ensinou que a
igreja herdou a bênção de Abraão, e não somente os judeus:
Galatians 3:13-14 13 Cristo nos resgatou da
maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar (porque está
escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro), 14 para que a bênção de
Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos, pela
fé, o Espírito prometido.
O outro engano do Dr. Craig é
quando ele faz a seguinte afirmação: “Ele tem liberdade para ter misericórdia
de quem quer, até mesmo dos execráveis gentios, e ninguém pode reclamar de que
Deus está sendo injusto”.
O Dr. Craig dá a entender que se
Deus não escolher alguns, a justiça de Deus fica em evidência como se as
pessoas merecessem a salvação podendo “reclamar” de Deus. Mais uma vez, como
sempre, o Dr. Craig tropeça porque não levou em conta que ninguém merece a
salvação. Foi exatamente isso que Paulo quis demonstrar na epístola aos Romanos
que a salvação é SOMENTE PELA FÉ:
Romans 3:10-19 10
como está escrito: Não há justo, nem um sequer, 11 não há quem entenda, não há quem busque a
Deus; 12 todos se
extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um
sequer. 13 A garganta
deles é sepulcro aberto; com a língua, urdem engano, veneno de víbora está nos
seus lábios, 14 a boca,
eles a têm cheia de maldição e de amargura; 15 são os seus pés velozes para derramar
sangue, 16 nos seus
caminhos, há destruição e miséria;
17 desconheceram o caminho da paz. 18 Não há temor de Deus diante de seus
olhos. 19 Ora, sabemos
que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda
boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus,
Portanto, ninguém tem o direito
de reclamar de Deus caso ele não o escolha porque não há nenhum justo que
reivindique esse direito de salvação. Esse foi o argumento de Santo Agostinho
ao citar o texto de Mt 11.20-22, pois o texto nos deixa claro que Deus não quis
salvar Tiro, Sidom, Sodoma e Gomorra, pois se os milagres que Jesus fez
ocorressem nessas cidades, eles teriam sido salvos.
Matthew 11:20-22 20
Passou, então, Jesus a increpar as cidades nas quais ele operara numerosos
milagres, pelo fato de não se terem arrependido: 21 Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque,
se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há
muito que elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza. 22 E, contudo, vos digo: no
Dia do Juízo, haverá menos rigor para Tiro e Sidom do que para vós outras.
Se Deus quer salvar a todos, por
que ele não fez os milagres nessas cidades para que eles se arrependessem? Deus
deixou de ser justo por não salvar os habitantes de Sodoma e Gomorra ou de Tiro
e Sidom? Mesmo que pensemos antes da fundação do mundo, Deus é o soberano e
quem somos nós para questionar o seu plano? Deus escolheu agir de uma forma que
ele escolhesse aqueles a quem ele quer (Ef 1.5)?
É isso que Paulo tenta mostrar
nesse capítulo:
Romans 9:20-24 20 Quem és tu, ó homem, para discutires com
Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste
assim? 21 Ou não tem o
oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e
outro, para desonra? 22
Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu
poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a
perdição, 23 a fim de
que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia,
que para glória preparou de antemão,
24 os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os
judeus, mas também dentre os gentios?
O Dr. Craig chega a uma conclusão
que é de todo arminiano: a escolha de Deus dependerá dos que creem. Ou seja,
Deus escolhe apenas aqueles que ele sabe que iriam crer. Ele escreve:
“Então – e este é o ponto crucial – quem é
que Deus escolheu salvar? A resposta é: aqueles que têm fé em Cristo”
O Dr. Craig não levou em conta
vários fatores lógicos e escriturísticos. Se Deus escolhe salvar dependendo da
fé que ele previu, isso não é escolha soberana segundo o pleno prazer da sua
vontade (κατα την ευδοκιαν του θεληματος αυτου) conforme Paulo escreveu aos
efésios (Ef 1.5). Nesse caso, não é uma eleição soberana, mas um acerto de
contas porque a promessa é que aquele que cresse seria salvo (Hc 2.4; Jo 3.36)
Imaginemos que um dono de uma empresa
de chocolates fizesse uma promoção de doar uma casa a todos aqueles que
guardassem a capa do bombom de chocolate. Ele percebe que em uma cidade de
180.000 habitantes, 50.000 guardaram essa capa do bombom de chocolate. Depois,
ele chega e afirma: “eu escolhi dar por livre espontânea vontade a esses 50.000
habitantes uma casa”. Todos iriam entender que ele estava querendo se
aproveitar da situação, porque o que ele tinha de fazer era apenas cumprir o
que foi prometido e por méritos daquelas pessoas que guardaram o papel do
bombom.
Assim seria a eleição de Deus. Se
ela dependesse da fé, Deus não escolheria livremente segundo o “beneplácido da
sua vontade ou o bem-querer da sua vontade (Ef 1.5), mas o critério seria a fé
como primordial para a salvação antes mesmo da sua escolha, sendo um
merecimento.
Foi essa a conclusão que Paulo
chegou quando falou da fé de Abraão:
Romans 4:2-4 2
Porque, se Abraão foi justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não
diante de Deus. 3 Pois
que diz a Escritura? Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para
justiça. 4 Ora, ao que
trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida.
Paulo demonstra que, se Abraão
fosse justificado por obras, ele poderia se gloriar porque seria como se fosse
um salário. Notemos que Paulo além de demonstrar que a fé de Abraão estava
relacionada a obras, esta não vinha dele mesmo, pois a fé sempre deve vir
acompanhada de obras para que esteja viva, pois sem obras a fé está morta:
Tiago 2:20-22 20 Queres, pois, ficar certo, ó homem
insensato, de que a fé sem as obras é inoperante? 21 Não foi por obras que Abraão, o nosso pai, foi
justificado, quando ofereceu sobre o altar o próprio filho, Isaque? 22 Vês como a fé operava
juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou,
Portanto, Tiago completa o
raciocínio de Paulo quando afirma que a fé de Abraão incluía obras também, só
que obras como resultado da fé. E se essa fé viesse do próprio Abraão, seria
apenas como se fosse um salário e nada mais.
Depois, em muitas passagens, a
Bíblia nos ensina que a fé não procede de nós ou que não está em nós mesmos:
Ephesians 2:8 8 Porque pela graça sois salvos, mediante a
fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus;
τη γαρ χαριτι εστε σεσωσμενοι δια
της πιστεως και τουτο ουκ εξ υμων θεου το δωρον
Notemos que τουτο é neutro
demonstrando que Paulo se refere tanto à graça (que é óbvio, se não, não seria
graça), como também à fé – τουτο ουκ εξ υμων
O outro texto está:
Romans 12:3 3 Porque, pela graça que me foi dada, digo a
cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense
com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um.
Notemos que a fé é repartida por
Deus a cada um.
O outro texto demonstra que Cristo
é o autor da fé:
Hebrews 12:2 2
olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da
alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da
ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus.
O substantivo αρχηγον tem como
significado de autor contrastando com a palavra consumador τελειωτην.
Depois, o Dr. Craig erra
gravemente quando não leva em conta o contexto do próprio capítulo 9 do livro
de Romanos. Vejamos:
Paulo defende que os filhos de
Abraão não são os propriamente da carne, mas aqueles que descendem das
promessas (v.8). Depois, ele usa o exemplo de Sara e Rebeca para falar da
salvação soberana da Igreja (gentios e judeus) (v.9).
Paulo, então, dá o exemplo do
nascimento de Jacó e Esaú, pois deles descenderia a descendência da promessa.
Paulo começa a mostrar a total soberania em escolher Jacó e não Esaú dizendo
que:
Romans 9:11 11 E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem
tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição,
prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama),
Quando Paulo fala que os meninos
ainda não tinham nascidos nem praticado o bem ou mal, Paulo estava falando da
fé, pois o mal de uma pessoa inclui a incredulidade. Por isso, ele afirma que Esaú
não tinha praticado o bem ou o mal para que o propósito de Deus com respeito à
eleição prevalecesse.
Isso significa que Deus os elegeu
levando em conta a antecipação do nascimento e não, como afirmam os arminianos,
que ele previu que iam crer ou não. O texto é bem claro em afirmar que a
eleição das crianças veio antes dos seus nascimentos, não levando em conta nem
o bem e nem o mal que eles fariam. Portanto, pelo texto, Deus levou em conta as
crianças antes de nascer e não o que ele previu quando crescessem e
desenvolvessem fé.
Paulo continua seu raciocínio
afirmando que:
Romans 9:13 13
Como está escrito: Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú.
καθως γεγραπται τον ιακωβ ηγαπησα
τον δε ησαυ εμισησα
Alguns tentam amenizar esse texto
afirmando que o verbo traduzido para “aborreci”, que não deixa de ser
amenizado, é “amar menos”. Podemos até entender aqueles que traduzem assim,
pois a maioria dos arminianos não conhece o original e passam a dar
interpretações próprias. No entanto, é a tradução mais desonesta e absurda que
alguém possa conhecer da Bíblia.
Tanto o verbo hebraico sane’, como o verbo grego μισεω na LXX
de Ml 1.3, como também no NT, pois
é o mesmo verbo grego que Paulo usou na epístola, querem dizer mesmo “odiar”,
“irar-se contra”.
Portanto, Deus desprezou, irou-se
contra Esaú e escolheu a Jacó. Daí vem todas aquelas perguntas e declarações
arminianas que não creem nesse tipo de amor de Deus dos calvinistas e que não
aceitam que Deus fizesse isso, pois seria injusto.
No entanto, por causa desses
questionamentos que Paulo escreve os versos 14 a 23
Romans 9:14-16 14
Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! 15 Pois ele diz a Moisés:
Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de
quem me aprouver ter compaixão. 16
Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua
misericórdia.
Paulo deixa claro que Deus tem
misericórdia e compaixão de quem ele decidir ter misericórdia (assim está no
original). Ele termina jogando por terra o livre arbítrio, pois Paulo afirma
que não depende de quem quer, mas de Deus. Isso tem que acontecer porque o
nosso arbítrio está corrompido pelo pecado e jamais escolheríamos a Deus se ele
não intervir.
Além do mais, esse texto também
vai contra a ideia de alguns que afirmam que Romanos 9 é para a nação de Israel
e não para indivíduos. Paulo dá o exemplo de Abraão, Esaú, Jacó, e Faraó, como
exemplos que estava tratando de indivíduos. Na verdade, em todo o contexto da
epístola aos Romanos, Paulo tratou sempre de indivíduos porque a salvação é
individual.
Depois, essa ideia de eleição de
nação e não de indivíduo não é inteligente porque uma nação é composta de
indivíduos e a salvação é individual. Se uma nação é composta de indivíduos e a
salvação é individual, é óbvio e coerente que Paulo estava falando de
indivíduos que constituiriam a igreja que é composta de judeus e gentios.
Quanto a João 6.65, Dr. Craig não
falou muito, pois não tinha muito que falar diante da clareza do texto. No
contexto, Jesus falou esse texto porque alguns não criam e ele conhecia essas
pessoas, inclusive quem iria traí-lo. Por causa disso, ele afirma que ninguém
pode vir a ele se não for concedido pelo Pai. O verbo grego διδωμι / δεδομενον está
no perfeito passivo que demonstra que o sujeito sofre a ação, ou seja, uma
pessoa somente vai a Jesus se sofrer a ação de ser concedida pelo Pai.
Jesus já tinha falado nos versos
anteriores:
John 6:44 44 Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me
enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.
O verbo grego ἑλκω traduzido para
“trazer” é mais forte no original. Significa “arrancar, puxar”. Jesus está
afirmando que ninguém pode vir a ele se o Pai não o arrancar, puxar,
demonstrando a total soberania de Deus na salvação e a nossa resistência de ir
a Deus por conta própria. Portanto, o texto é bem claro acerca da soberania de
Deus na salvação.
A resposta à acusação que Deus é
um tirano:
Tirano é alguém que usurpa o
poder; que adquire o poder de uma forma injusta. Deus, não. Deus é o supremo
Senhor e Soberano legítimo, e mais ainda digno de adoração por ser esse Senhor
soberano e Deus.
Quando afirmamos que a eleição de
Deus o torna indigno de adoração, estamos tentando afirmar que temos mais
justiça que ele ou mais sabedoria que ele. Quanto a isso, os profetas respondem
que não passamos de cacos de barro ou vasos nas mãos do oleiro (Is 45.9; Rm
9.20-21).
Mesmo assim, nada disso vai
contra a sua existência, mesmo que ele fosse realmente um tirano ou qualquer
que seja seu caráter. Quanto mais que Deus é o único Deus e Senhor Soberano
Legítimo do Universo.
Muito bom!
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