RESUMO
O artigo tem a finalidade de demonstrar que o dom de profeta do NT se manifesta de dois tipos: um diz respeito a uma classe de apóstolos que não estavam dentro do círculo dos doze que andavam com Jesus, mas tinham a mesma autoridade apostólica. Esses profetas eram também testemunhas de Cristo, por isso, tinham autoridade de escrever Palavra de Deus e, como os apóstolos, não existem mais. O outro era alguém que recebia um dom do Espírito Santo para edificar a igreja de Cristo. Nesse artigo demonstro, com base nas Escrituras, que o dom de profecia distribuído pelo Espírito Santo pode ser preditivo e não corresponde à pregação do Evangelho como afirmam alguns eruditos cessacionistas. Demonstro, também, que os profetas carismáticos precisam ser julgados e avaliados se estão falando segundo as Escrituras e que jamais a profecia deve tomar o lugar da pregação das Escrituras. Os textos usados como base foram toda a Escritura, especificamente, os textos do NT em Português da Bíblia Revista Atualizada e em grego do Majority Greek Text.
Introdução
Uma das tarefas mais difíceis é demonstrar a verdade quando ela vem misturada com o engano. Na verdade, essa é a grande estratégia do diabo: tentar desqualificar a verdade misturando-a com a mentira. A parábola do Joio e do trigo, falada por Jesus, demonstra essa grande verdade. O conselho do dono da lavoura, em que ele pede para ter cuidado com a retirada do joio para não prejudicar o trigo, demonstra que se precisa ter atenção de não entrar exatamente no plano do diabo nisso.
O fato de ter falsos profetas na atualidade, igrejas neopentecostais que exploram e trocam o ensino das Escrituras por palavras de profetas duvidosos e pervertidos, ou a existência dos chamados “profetas do Pix” não pode invalidar a verdade das Escrituras. Ao contrário, a verdade das Escrituras deve ser evidenciada pelo seu ensino correto a fim de que a igreja possa perceber os enganos do que é falso. Da mesma forma, não se pode jogar fora as cédulas verdadeiras de dinheiro por haver várias cédulas falsas na região, porém, deve-se perceber com maior dedicação como as verdadeiras são para identificar as falsas ou os falsários.
Meu intuito é exatamente esse: trazer maior percepção desse dom do Espírito tão desgastado e tão mal interpretado, unindo-me a muitos que tentaram fazer isso, reconhecendo que a queda nos fez limitados na interpretação da Bíblia, ou até na percepção de textos que não levamos em conta por causa da nossa cosmovisão. Por isso, eu trago esse artigo para unir-se a alguns livros e textos que falam sobre os profetas do NT.
O Novo Testamento (NT) traz dois tipos de profetas:
1. O Profeta relacionado aos apóstolos que não estavam contados entre os doze
A primeira designação de profeta era outro nome para apóstolos que não faziam parte da escola dos doze apóstolos de Jesus, mas que eram considerados apóstolos e tinham autoridade apostólica de escrever Palavra de Deus. Por exemplo, temos: Paulo, Barnabé, Marcos, Lucas, Tiago, Judas. Todos esses não faziam parte dos doze apóstolos e eram considerados “profetas”, “outra classe de apóstolos”. Geralmente essa designação vem sempre junta com a palavra “apóstolos” e suas palavras não podiam ser questionadas. Por isso, Paulo escreveu:
Efésios 2:20 (ARA) 20 edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular;
Efésios 3:5 (ARA) 5 o qual, em outras gerações, não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, como, agora, foi revelado aos seus santos apóstolos e profetas, no Espírito,
Efésios 4:11 (ARA) 11 E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres,
Notemos que nesse texto, Paulo já trazia o contexto desses profetas nos capítulos anteriores que era de fazerem parte do fundamento da Igreja do NT juntamente com os apóstolos (At 13.1).
(ARA) Atos 13.1 1 Havia na igreja de Antioquia profetas e mestres: Barnabé, Simeão, por sobrenome Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, colaço de Herodes, o tetrarca, e Saulo.
2 Pedro 3:2-3 (ARA) 2 para que vos recordeis das palavras que, anteriormente, foram ditas pelos santos profetas, bem como do mandamento do Senhor e Salvador, ensinado pelos vossos apóstolos, 3 tendo em conta, antes de tudo, que, nos últimos dias, virão escarnecedores com os seus escárnios, andando segundo as próprias paixões
O apóstolo Pedro reconhece que esses profetas tinham autoridade semelhante aos apóstolos e dos mandamentos do Senhor Jesus Cristo. No entanto, pode haver uma dúvida se Pedro não estaria escrevendo sobre os profetas do VT. Notemos que Pedro pede que eles se recordem das “palavras que, anteriormente, foram ditas” / μνησθῆναι τῶν προειρημένων ῥημάτων ὑπὸ τῶν ἁγίων προφητῶν, o verbo grego προειρημένων no particípio perfeito passivo de προερέω significa “dizer, expressar-se anteriormente” (Gl 1.9). Portanto, Pedro faz referência de que deveriam lembrar do que esses profetas disseram e não do que eles escreveram, fazendo, com isso, referência aos profetas do NT que ele coloca no mesmo nível dos mandamentos do Senhor Jesus.
Além disso, Pedro faz uma possível referência ao ensino de Paulo a Timóteo que afirma:
2 Timóteo 3:1-5 (ARA) 1 Sabe, porém, isto: nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis, 2 pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, 3 desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, 4 traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, 5 tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Foge também destes.
Judas confirma esse texto de Pedro chamando esses profetas de “apóstolos”, assim como o próprio Paulo se denominava:
Judas 1:17-18 (ARA) 17 Vós, porém, amados, lembrai-vos das palavras anteriormente proferidas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo, 18 os quais vos diziam: No último tempo, haverá escarnecedores, andando segundo as suas ímpias paixões.
Esses “profetas” foram chamados por Paulo de “outro dos apóstolos”:
Gálatas 1:18-19 (ARA) 18 Decorridos três anos, então, subi a Jerusalém para avistar-me com Cefas e permaneci com ele quinze dias; 19 e não vi outro dos apóstolos, senão Tiago, o irmão do Senhor.
Gálatas 1:18-19 18 Ἔπειτα μετὰ ἔτη τρία ἀνῆλθον εἰς Ἱεροσόλυμα ἱστορῆσαι Πέτρον, καὶ ἐπέμεινα πρὸς αὐτὸν ἡμέρας δεκαπέντε. 19 Ἕτερον δὲ τῶν ἀποστόλων οὐκ εἶδον, εἰ μὴ Ἰάκωβον τὸν ἀδελφὸν τοῦ κυρίου.
Paulo, nesse texto, faz uma diferença entre Pedro (Byz) / Cefas (NA28) e Tiago, irmão do Senhor, que tinha o reconhecimento de autoridade apostólica entre os doze apóstolos (At 15.13; 22). Paulo o coloca no grupo do que ele chamou de Ἕτερον τῶν ἀποστόλων. O adjetivo ἕτερος, que significa “outro de outra classe” evidenciando a diferença entre ἄλλος que significa “outro da mesma classe” sem evidenciar diferença, passa a ser um substantivo por ser o núcleo do objeto direto do verbo εἶδον. Já o substantivo ἀπόστολος na locução τῶν ἀποστόλων tem a função de adjunto adnominal qualificando o núcleo do objeto direto substantivado Ἕτερον. Assim, não se pode analisar esse genitivo como um adjunto adverbial como se entendesse o ἕτερος vindo dos apóstolos, pois, se a expressão τῶν ἀποστόλων fosse um adjunto adverbial, teria que modificar um adjetivo, advérbio ou verbo, porém, a expressão está interligada a Ἕτερον que é acusativo, núcleo do objeto direto do verbo εἶδον, dando-lhe, obrigatoriamente, a função do genitivo de adjunto adnominal e qualificador por modificar um substantivo (adjetivo substantivado – núcleo do objeto direto). Para ilustrar melhor que τῶν ἀποστόλων é qualitativo, poderíamos mudar a frase para “Não vi outra classe apostólica, senão, Tiago, o irmão do Senhor”. Portanto, Paulo queria falar que Tiago era uma outra classe dos apóstolos. Assim, a tradução mais razoável para que não haja ambiguidade do verso 19 Ἕτερον δὲ τῶν ἀποστόλων οὐκ εἶδον, εἰ μὴ Ἰάκωβον τὸν ἀδελφὸν τοῦ κυρίου deveria ser: “não vi outra classe de apóstolo, senão, Tiago, o irmão do Senhor”.
Para demonstrar melhor isso, vejamos um texto com semelhança textual grega em Mt 8.21-22;
Mateus 8:21-22 (ARA) 21 E outro dos discípulos lhe disse: Senhor, permite-me ir primeiro sepultar meu pai. 22 Replicou-lhe, porém, Jesus: Segue-me, e deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos.
Mateus 8:21-22 21 Ἕτερος δὲ τῶν μαθητῶν αὐτοῦ εἶπεν αὐτῷ, Κύριε, ἐπίτρεψόν μοι πρῶτον ἀπελθεῖν καὶ θάψαι τὸν πατέρα μου. 22 Ὁ δὲ Ἰησοῦς εἶπεν αὐτῷ, Ἀκολούθει μοι, καὶ ἄφες τοὺς νεκροὺς θάψαι τοὺς ἑαυτῶν νεκρούς.
Notemos que Mateus usa expressão semelhante Ἕτερος δὲ τῶν μαθητῶν αὐτοῦ, só que Ἕτερος é nominativo / sujeito e núcleo do sujeito; logo, um adjetivo que pela força sintática tornou-se substantivo. Aqui deixa claro pelo contexto que esse discípulo não fazia parte dos discípulos que seguiam Jesus porque no verso 22 ordena-lhe que o siga Ἀκολούθει μοι. Portanto, fica evidenciado que era uma outra classe de discípulo que não seguia Jesus como os demais.
Portanto, Paulo qualifica alguns da classe de Pedro dos doze apóstolos e outros da classe de Tiago que não fazia parte dos doze como um dos que ele chamou de “outro dos apóstolos” Ἕτερον τῶν ἀποστόλων.
Esses profetas não podiam ser questionados nem julgados, pois faziam parte do fundamento da fé da Igreja do NT (Ef 2.20). Também, esses profetas, a semelhança dos apóstolos, não haveriam de continuar depois dos apóstolos do NT, pois, somente a eles, foi dada a autoridade de escrever e ensinar a Palavra de Deus.
1 Coríntios 14:36-37 (ARA) 36 Porventura, a palavra de Deus se originou no meio de vós ou veio ela exclusivamente para vós outros? 37 Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo.
Nesse texto, Paulo esclarece que a Palavra de Deus ensinada pelos apóstolos era diferente das palavras dos profetas com a designação de profetas dentro dos dons ensinados de 1Co 12; 14. Paulo afirma que a Palavra de Deus veio para eles e não se originou deles. Isso significa que a palavra que recebiam por epístolas dos apóstolos e profetas, incluindo ele mesmo, era diferente. Ele coloca as suas palavras como “mandamentos do Senhor” ὅτι κυρίου εἰσὶν ἐντολαί. A expressão grega tem o qualificativo genitivo antes mesmo do verbo para demonstrar ênfase da procedência dos mandamentos. A expressão ἔντολή κυρίου, ainda, é usada por Jesus e pelos apóstolos para as várias passagens do VT de mandamentos de Deus (Mt 5.19; 15.3). Diante disso, Paulo está trazendo sobre seus escritos, seus ensinos e suas ordenanças uma autoridade do mesmo nível que os mandamentos do VT. Da mesma forma que Pedro considerou os escritos desses apóstolos chamando-os de “profetas” evidenciando o próprio Paulo (2Pe 3.2; 3.15-16).
2. Profetas como dom do Espírito Santo de 1Co 12.10
Paulo faz uma diferença entre os dois dons de profeta. Ao primeiro estudado, Paulo se refere com a palavra grega δόμα que significa dom no sentido geral:
Efésios 4:8 Διὸ λέγει, Ἀναβὰς εἰς ὕψος ᾐχμαλώτευσεν αἰχμαλωσίαν, καὶ ἔδωκεν δόματα τοῖς ἀνθρώποις.
Esse contexto está relacionado ao profeta que vem sempre acompanhado dos apóstolos no v.11 por serem uma classe de apóstolos. Nesse caso, Paulo identifica esses dons de uma forma mais ampla com uma abrangência maior e especial. No caso dos profetas de 1Co 12, Paulo usa uma outra palavra para dom, χάρισμα, vindo da palavra χαρις que significa “graça”, usada no contexto dos dons do Espírito Santo:
1 Coríntios 12:4-5 4 Διαιρέσεις δὲ χαρισμάτων εἰσίν, τὸ δὲ αὐτὸ πνεῦμα. 5 Καὶ διαιρέσεις διακονιῶν εἰσίν, καὶ ὁ αὐτὸς κύριος.
Paulo relaciona esses Διαιρέσεις δὲ χαρισμάτων, “diversidade de dons / χαρισμάτων” de διαιρέσεις διακονιῶν, “diversidade de serviços / διακονιῶν”. Essa palavra, que também traduz a palavra ministério e de onde vem a palavra “diácono / diaconia”, demonstra um serviço na igreja e que Paulo ensinou que seria para a edificação dela. Portanto, Paulo já coloca a diferença entre os dois tipos de profeta: um diz respeito à autoridade apostólica, o outro diz respeito a ministério e serviço na igreja do NT.
2.1. As características dos profetas como dom do Espírito Santo de 1Co 12.10
Paulo trata esses profetas diferentemente dos primeiros citados. Esses profetas devem ser julgados:
1 Coríntios 14:29 (ARA) 29 Tratando-se de profetas, falem apenas dois ou três, e os outros julguem.
1 Coríntios 14:29 Προφῆται δὲ δύο ἢ τρεῖς λαλείτωσαν, καὶ οἱ ἄλλοι διακρινέτωσαν.
Paulo coloca a ordem dos profetas de dois ou três profetizarem e os outros devem julgar. Pelo verbo grego διακρίνω no imperativo, pode-se chegar na inferência de que Paulo ordena julgar o conteúdo dos profetas, ou seja, a profecia, pois o verbo significa, pela preposição δια acrescentada, “julgar fazendo a diferença”. Logo, Paulo coloca esses profetas com um conteúdo preso a uma base absoluta da Palavra de Deus, pois para se julgar e fazer a diferença precisa-se de uma base para isso. Paulo falou isso melhor em Rm 12.6.
Romanos 12:6 (ARA) 6 tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada: se profecia, seja segundo a proporção da fé;
Romanos 12:6 6 Ἔχοντες δὲ χαρίσματα κατὰ τὴν χάριν τὴν δοθεῖσαν ἡμῖν διάφορα, εἴτε προφητείαν, κατὰ τὴν ἀναλογίαν τῆς πίστεως·
Paulo usa a mesma palavra grega para dom, χαρίσματα, que usou em 1Co 12. Portanto, ele está usando a palavra profecia da mesma forma que usou em 1Co 12 e 1Co 14. Assim, ele está falando de profetas dos dons do Espírito de 1Co 12; 14. Para esses profetas, Paulo adverte que eles devem profetizar “segundo a analogia da fé”. A palavra grega ἀναλογίαν é traduzida para “proporção”. Dessa palavra que provém o vocábulo na língua portuguesa “analogia”. De qualquer forma, Paulo a usa para demonstrar conformidade e relação com a fé, a qual é usada, aqui, como uma metonímia que significa o corpo de doutrina que o cristão crê. Portanto, Paulo coloca as profecias de dom do Espírito Santo como sujeitas às doutrinas da fé cristã e que podem perfeitamente ser julgadas e até desprezadas, caso não estejam dentro do escopo doutrinário.
2.2. Podemos relacionar as profecias dom do Espírito Santo à pregação da Palavra de Deus?
Muitos eruditos cessacionistas relacionam os profetas e profecias de 1Co 12 e 14 à pregação na igreja. Eles afirmam isso com base em 1Co 14.3 que diz:
1 Coríntios 14:3 (ARA) 3 Mas o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando.
Por isso, chegam a uma conclusão que a pregação tem essas mesmas prerrogativas e, por isso, Paulo estaria falando nesse contexto de 1Co 12 e 14 sobre a pregação do Evangelho. Também, partindo desse pressuposto, não aceitam que esse tipo de profeta, sendo usado por Deus, possa falar alguma coisa futura.
Apesar de que essa interpretação seja mais cômoda diante de tantos hereges e heresias ditas como profecia, fica difícil aceitá-la diante de alguns textos e ensino dos apóstolos.
Precisamos pensar que é difícil Paulo pedir para os crentes julgarem a pregação em 1Co 14.29 se ele disse que o conteúdo dessa pregação deve ser a Palavra de Deus:
2 Timóteo 4:1-2 (ARA) 1 Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino: 2 prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina.
2 Timóteo 4:1-2 1 Διαμαρτύρομαι οὖν ἐγὼ ἐνώπιον τοῦ θεοῦ, καὶ τοῦ κυρίου Ἰησοῦ χριστοῦ, τοῦ μέλλοντος κρίνειν ζῶντας καὶ νεκρούς, κατὰ τὴν ἐπιφάνειαν αὐτοῦ καὶ τὴν βασιλείαν αὐτοῦ, 2 κήρυξον τὸν λόγον, ἐπίστηθι εὐκαίρως, ἀκαίρως, ἔλεγξον, ἐπιτίμησον, παρακάλεσον, ἐν πάσῃ μακροθυμίᾳ καὶ διδαχῇ.
Paulo usa o verbo grego κηρύσσω na expressão κήρυξον τὸν λόγον / “prega a Palavra” que significa “proclamar como arauto, pregar e proclamar algo”. O modo imperativo aoristo significa uma ordem urgente. Se a profecia para Paulo fosse a pregação da Palavra de Deus, ele colocaria em dúvida a própria Palavra de Deus, porque o objeto direto do verbo κηρύσσω é a ordem do verbo no imperativo aoristo: a Palavra (de Deus). Logo, ele estaria pedindo para julgar a Palavra de Deus.
Depois, seria muita displicência de Paulo não alertar Timóteo que ele tivesse cuidado para que ele não fosse repreendido por outros profetas, pois Timóteo não era apóstolo nem profeta/apóstolo, mas apenas um pastor, filho na fé de Paulo. Além disso, Paulo fala de falsos mestres e jamais cita algum profeta no contexto.
Com respeito ao texto de Rm 12.3, seria uma grande tautologia de Paulo afirmar que o conteúdo, que ele já ensinou que deve ser a Palavra de Deus, fosse segundo a Palavra de Deus. Além do mais, teríamos que desprezar, inclusive, a palavra grega χαρίσματα usada para dons do Espírito Santo de 1Co 12 e 14. Portanto, seria um erro gravíssimo de hermenêutica e exegese para quem sabe grego.
Alguns usam 1Ts 5.20, também, como pregação da Palavra de Deus.
1 Tessalonicenses 5:20-21 (ARA) 20 Não desprezeis as profecias; 21 julgai todas as coisas, retende o que é bom;
Paulo estaria exortando os cristãos a não desprezarem a Palavra de Deus? Porque ele está falando da “profecia” e, se a profecia é a mensagem do profeta, então a Palavra de Deus deve estar inclusa, já que ele exortara que deveriam pregar “a Palavra” κήρυξον τὸν λόγον. O verso posterior (v.21) traz a mesma advertência de Paulo em 1Co 14.29, demonstrando que Paulo estava ensinando a profecia dom do Espírito Santo de 1Co 12; 14). Além do mais, Paulo colocaria a Palavra de Deus juntamente com “todas as coisas”? Acho muito difícil essa interpretação.
2.3. A natureza do dom de profecia
Precisamos saber, pelas Escrituras, em que consiste o dom de profecia. Muitos eruditos usam o verso 1Co 14.3 como se Paulo tivesse falando de características da profecia. No entanto, há um engano de interpretação e erro linguístico gravíssimo: a edificação, exortação e consolo não são características do discurso profecia nem fala dos tipos de discurso da profecia, mas são consequências e falam do resultado. Seria como se alguém dissesse que a característica do romance de Machado de Assis, Dom Casmurro, fosse a dúvida entre a traição de Capitu e o ciúmes de Bentinho. Claro que as características teriam que ser dentro do gênero do discurso do romance ou poema e que, no contexto, a profecia. Paulo está exortando que a profecia tem que ter como resultado a “edificação, exortação e consolo”, mas não está trazendo o que consiste a profecia. Paulo demonstra isso no contexto, vejamos:
1 Coríntios 14:26 (ARA) 26 Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para edificação.
1 Coríntios 14:31 (ARA) 31 Porque todos podereis profetizar, um após outro, para todos aprenderem e serem consolados.
Notemos que, depois de Paulo falar dos vários discursos dos dons, ele ensina que tem que ser para “edificação” e ele ensina, ainda, que todos podem profetizar a fim de que sejam consolados. O texto demonstra propósito, alvo e resultado, não essência. Portanto, basear-se nesse texto para apontar para a pregação na igreja é quebrar a lógica linguística do discurso.
2.4. A profecia dom do Espírito Santo pode ser preditiva?
Vários eruditos afirmam que a profecia do Novo Testamento não tem o caráter preditivo, baseando-se no erro linguístico de 1Co 14.3 já explicado. No entanto, não é isso que percebemos nos ensinos dos apóstolos que é a única regra de fé e prática que temos. Alguns defendem que não se pode pegar exemplos de Atos, nem das cartas de Paulo porque o Cânon ainda tinha sido fechado. Na verdade, quem defende isso fere fortemente a sua reputação de crer na inspiração das Escrituras e do Sola Scriptura para não citar mais coisas. Se o Atos e as cartas dos apóstolos não valem para certificarmos uma doutrina da Igreja de Cristo, seria qual base para vermos se um dom continuaria ou sabermos sobre sua natureza? Portanto, esse argumento deveria ser excluído de alguém que queira ter uma mente bíblica e queira preservar um argumento coerente da Bíblia como única regra.
Vejamos o que Paulo ensinou no próprio texto:
1 Coríntios 14:24-25 (ARA) 24 Porém, se todos profetizarem, e entrar algum incrédulo ou indouto, é ele por todos convencido e por todos julgado; 25 tornam-se-lhe manifestos os segredos do coração, e, assim, prostrando-se com a face em terra, adorará a Deus, testemunhando que Deus está, de fato, no meio de vós.
Paulo fala em uma linguagem hipotética “se todos profetizarem e entrar algum incrédulo, tornam-se-lhe manifestos os segredos do coração”. Nesse texto, Paulo dá um aspecto do dom de profecia que é a manifestação “das coisas ocultas do coração” τὰ κρυπτὰ τῆς καρδίας. Alguém pode objetar que isso pode ocorrer na pregação, pois quando alguém ouve a Palavra de Deus, o Espírito de Deus fala de forma subjetiva ao coração do incrédulo. No entanto, o texto não está dizendo isso, mas afirmando que se tornam manifestos φανερὰ γίνεται. O adjetivo grego φανερὰ neutro plural na função de predicativo do sujeito, segundo Strong, quer dizer “algo manifesto claramente e evidente”. Logo, Paulo não está falando de subjetividade, mas de segredos ocultos revelados de forma evidente, clara e objetiva pela profecia. Por isso, esses incrédulos se prostrarão com a face em terra para adorar a Deus. Mas Paulo não para por aqui. Ele escreve:
1 Coríntios 14:29-31 (ARA) 29 Tratando-se de profetas, falem apenas dois ou três, e os outros julguem. 30 Se, porém, vier revelação a outrem que esteja assentado, cale-se o primeiro. 31 Porque todos podereis profetizar, um após outro, para todos aprenderem e serem consolados.
Paulo fala de profetas porque ele deixa claro “tratando-se de profetas”. Ele ensina uma ordem no culto. Após, ele afirma: “Se, porém, vier revelação a outrem que esteja assentado, cale-se o primeiro” Ἐὰν δὲ ἄλλῳ ἀποκαλυφθῇ καθημένῳ, ὁ πρῶτος σιγάτω. No texto grego citado é mais fácil perceber que a profecia era preditiva também, pois o verbo ἀποκαλυφθῇ está na voz passiva que quer dizer “receber revelação (algo que está oculto e passa a ser revelado). Notemos que ainda está no contexto dos profetas, pois no verso 31 Paulo exorta que “todos podereis profetizar, um após outro, para todos aprenderem e serem consolados”. Uma possível objeção sobre isso pode acontecer ao afirmar que esse recebimento da revelação é da Palavra de Deus. Essa interpretação traz mais problemas aos cessacionistas porque vai dar a esses profetas a autoridade de receber revelação da Palavra de Deus, e isso pode ser muito perigoso. Depois, jamais Paulo iria ensinar que a Palavra de Deus fosse julgada, ao contrário, ele deixou claro que a Palavra que se originava entre eles era diferente da palavra do próprio apóstolo que era a Palavra de Deus (1Co 14.36-37).
1 Coríntios 14:36-37 (ARA) 36 Porventura, a palavra de Deus se originou no meio de vós ou veio ela exclusivamente para vós outros? 37 Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo.
2.4. O testemunho dos apóstolos sobre os profetas do NT
Precisamos analisar como o apóstolo Lucas e Paulo receberam as profecias do NT. Isso é muito importante porque jamais Paulo estaria no grupo do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Se não havia profecias preditivas, o Apóstolo dos Gentios deveria ter recusado ou jamais ter falado sobre esse tipo de profecia nas suas epístolas.
O profeta Ágabo
Atos 11:27-30 (ARA) 27 Naqueles dias, desceram alguns profetas de Jerusalém para Antioquia, 28 e, apresentando-se um deles, chamado Ágabo, dava a entender, pelo Espírito, que estava para vir grande fome por todo o mundo, a qual sobreveio nos dias de Cláudio. 29 Os discípulos, cada um conforme as suas posses, resolveram enviar socorro aos irmãos que moravam na Judéia; 30 o que eles, com efeito, fizeram, enviando-o aos presbíteros por intermédio de Barnabé e de Saulo.
Notemos que Lucas faz questão de escrever “naqueles dias”. Isso é muito esclarecedor em demonstrar que eram profetas do NT. Até porque fica difícil para quem tenha o mínimo de senso de hermenêutica afirmar que, depois da descida do Espírito Santo, ainda haja profetas do VT. O mais contundente é que a igreja recebeu a mensagem e aceitou mandando, como mensageiros, ninguém mais que os dois mais eminentes dos apóstolos, Paulo e Barnabé. Outro texto mais comprometedor envolvendo o apóstolo Paulo está em At 21.9-11:
Atos 21:9-11 (ARA) 9 Tinha este quatro filhas donzelas, que profetizavam. 10 Demorando-nos ali alguns dias, desceu da Judéia um profeta chamado Ágabo; 11 e, vindo ter conosco, tomando o cinto de Paulo, ligando com ele os próprios pés e mãos, declarou: Isto diz o Espírito Santo: Assim os judeus, em Jerusalém, farão ao dono deste cinto e o entregarão nas mãos dos gentios.
Lucas cita o testemunho de quatro filhas de Felipe que profetizavam, logo, está no contexto de profecia do NT. Ele continua falando novamente de Ágabo que traz uma nova maneira de falar “assim diz o Espírito Santo” diferenciando do VT que dizia: “assim diz o Senhor”. O profeta fala algo completamente preditivo e futurístico do que ia acontecer com Paulo. O apóstolo jamais duvidou e todos receberam como fidedigna essa palavra. Outro texto muito interessante é 1Tm 1.18; 4.14
1 Timóteo 1:18 (ARA) 18 Este é o dever de que te encarrego, ó filho Timóteo, segundo as profecias de que antecipadamente foste objeto: combate, firmado nelas, o bom combate,
Paulo lembra Timóteo de profecias direcionadas a ele, ou seja, foi especificamente para Timóteo. Essas profecias não eram a Palavra de Deus porque se fosse, Paulo teria escrito de forma objetiva. No entanto, Paulo lembra seu filho na fé que combata o bom combate nelas, pois eram apenas “profecias” e que Paulo as julgou autênticas. A objeção de que essas profecias eram a Palavra de Deus revelada cai por terra, desde que não estão reveladas objetivamente no Cânon. Assim como algumas epístolas de Paulo não foram inspiradas pelo Espírito para serem consideradas Palavra de Deus. A inspiração tem um propósito de revelação objetiva escrita, ou seja, não podemos dizer que um texto foi inspirado se não foi revelado. Da mesma forma que João reconheceu que poderia haver muitos livros contando o que Jesus fez, mas Deus não os inspirou (Jo 21.35).
1 Timóteo 4:14 (ARA) 14 Não te faças negligente para com o dom que há em ti, o qual te foi concedido mediante profecia, com a imposição das mãos do presbitério.
Nesta passagem, Paulo afirma que Timóteo recebeu um dom através de uma profecia em um evento de imposição de mãos. Tudo indica que foi na sua ordenação como pastor de Éfeso. E Isso confirma mais ainda que a profecia não era a pregação da Palavra de Deus por ser em um evento completamente improvável de pregação e que foi preditiva porque se referiu a algo que Timóteo não sabia e não tinha naquele momento da profecia. Portanto, seria algo muito bizarro não haver profecia preditiva e Paulo levar a Timóteo lembrar desse evento sabendo que suas palavras tinham o peso de Palavra de Deus.
Uma advertência às igrejas sobre profecias e profetas
Nos nossos dias, muitas heresias, profetas e profecias estão sendo divulgadas pela internet. É necessário que os pastores estejam atentos a esses falsos profetas, hereges e heresias que vêm desses falsos obreiros e falsos profetas. No entanto, apesar do perigo, Deus inspirou sua Palavra e deu seus dons com um propósito para a sua glória. Deus jamais erraria nem jamais haveria qualquer traço de engano. Portanto, se ele revelou nas escrituras a profecia como um instrumento de edificação e, até, de aviso, precisamos estar atentos para isso.
A igreja não pode recusar ou rejeitar o que Deus ofereceu a ela. Seriam líderes, pastores e teólogos mais sábios que Deus? No entanto, a igreja precisa entender que sempre quando Paulo fala de profecia, ele sempre faz questão de relacionar a um profundo exame para julgamento. Não se deve esquecer que os apóstolos alertaram sobre a prova dos espíritos (1Jo 4.1) e que “ainda nós ou um anjo vos pregue Evangelho além do que vos tenho pregado seja anátema” (Gl 1.8-9). Devemos ter a coragem de dizer a esses profetas, caso as doutrinas das Escrituras sejam agredidas e distorcidas, que o que eles dizem é anátema.
Outra advertência muito séria é que a profecia não pode substituir ou prejudicar a pregação da Palavra de Deus. A profecia deve ficar muito antes como Paulo ensinou:
1 Coríntios 12:28 (ARA) 28 A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, operadores de milagres; depois, dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas.
O que deve ter a primazia é a doutrina dos apóstolos e profetas. A profecia não é a regra, mas a exceção porque Paulo ensina que o que deve ser pregado é a Palavra de Deus. No texto acima, Paulo enumera até o terceiro, para falar sobre o “depois”. Primeiro, os apóstolos, segundo, profetas (nesse caso são profetas designados como apóstolos distinto dos doze), terceiro, mestres; depois, serão os demais dons. Isso demonstra que Paulo ensina como um time de futebol com jogadores titulares e reservas. Há 3 titulares, a doutrina dos apóstolos e profetas, o ensino dos mestres, caso haja uma ação extraordinária, não programada, virá a profecia ou qualquer outro dom.
Portanto, amados, devemos ter cuidado com o dom de profecia, para, ao mesmo tempo que não devemos rejeitá-lo por ser ensinado nas Escrituras, devemos ter o devido cuidado para não sermos enganados.