Algumas coisas parecem que são temidas
por causa de frases de efeitos da sabedoria popular. Por exemplo: “religião e
política não se discutem”. Não é raro ouvirmos isso de alguém quando defendemos
a fé ou até mesmo questionamos verdades que tenham um teor religioso. No
entanto, exatamente por causa da falta de discussão e do silêncio de muitos o
mal social e a heresia se estabelecem.
Da mesma forma, não é raro
ouvirmos e lermos que não é salutar discutir, defender ou até mesmo escrever
sobre a controvérsia entre calvinismo e arminianismo. Alguns afirmam que essa
discussão é estéril e não toca em coisas essenciais da fé cristã. Dizem, ainda,
que o importante é deter-se nas coisas essenciais da doutrina cristã, ou nos
hereges declarados como Mórmons, Testemunhas de Jeová, Espiritismo etc. Mas
será que não afeta as doutrinas essenciais da fé?
Os que aceitam a doutrina semipelagiana
ou arminiana são a maioria. Isso se deve porque é uma conclusão mais simplista
das Escrituras e da natureza humana. Na verdade, não é necessário uma exegese
mais detalhada para a percepção arminiana. Para uma pessoa incauta, a análise
da palavra κοσμος “mundo” e do pronome παντα “todos” basta significar “cada
pessoa que existe” ou que “vai existir”. Essa é a interpretação mais simples e
imediata para uma pessoa que não sabe hermenêutica, que não sabe fazer uma
exegese ou uma análise do original, mesmo admitindo que há muitos eruditos de
alto nível que defendem o arminianismo. No entanto, eles seguem a mesma análise
dos incautos, por incrível que pareça.
O segundo motivo é porque essa
doutrina vem mais de igrejas pentecostais que influenciaram diversas outras igrejas
no mundo trazendo suas doutrinas incluindo sua soteriologia e escatologia.
Essas igrejas foram influenciadas por grandes avivalistas arminianos como John
Wesley e Charles Finney. Muitos foram influenciados por esses avivalistas como
aqueles que ganhavam almas e apelavam às pessoas com maior insistência para que
viessem a Cristo, pois a salvação não dependia exclusivamente de Deus, mas também
da liberdade de escolha dos seus ouvintes por causa do livre arbítrio.
Diante disso, falar da predestinação
e da soberania de Deus era um desafio, pois eram refutados imediatamente por
heresia, e as igrejas que falavam sobre isso eram consideradas quase como uma
seita. No Brasil, isso foi tão forte que até mesmo nas igrejas que tinham como
base a confissão de fé de Westminster cederam ao arminianismo. Não é raro ouvir
pastores de igrejas reformadas dizendo que não creem em alguns dos pontos do
calvinismo ou até mesmo com ideias completamente arminianas.
O que se pode perceber na
história da Igreja é que todas as vezes que o Arminianismo recrudescia, a
igreja se corrompia. Vemos isso desde os primeiros séculos com a conversão de
Constantino que era um adepto e simpatizante das ideias de Pelágio. Por causa
disso, a Igreja da época se corrompeu seriamente buscando a compensação de
obras na salvação, os mártires passaram a ser venerados e o culto cristão
passou a ter o que o historiador Justos Gonzáles escreveu em seu livro A Era
dos Gigantes “a influência do protocolo imperial” (GONZALES, 1995).
Nesse período, um monge se
destacou em refutar nesse cenário sombrio do Arminianismo, Agostinho, bispo de
Hipona. Agostinho percebeu que a doutrina da Igreja estava sendo ameaçada pelo
desvio de Pelágio em distorcer a salvação de Deus e a doutrina da Graça. Por isso, ele refutou com muita seriedade Pelágio e suas doutrinas em sua obra Retractationes, inclusive por achar que
suas palavras foram distorcidas por pelágio da sua obra O Livre Arbítrio.
Durante toda a baixa e alta idade
média, a influência de Pelágio foi maior que de Agostinho, já que o Imperador
simpatizava mais com Pelágio e por ser uma doutrina que apelava mais à glória
humana, pois os bispos e papas eram considerados mais santos que os demais,
dando a eles autoridade acima mesmo que qualquer pessoa e até mesmo de qualquer
interpretação da Escritura. Portanto, a igreja passou a proclamar a salvação
por méritos e por obras, vender relíquias para bênçãos espirituais e vender indulgências.
Com a Reforma Protestante no
século XVI, Martinho Lutero levantou a bandeira da justificação somente pela fé.
Os reformadores buscaram o que Agostinho defendia e passaram a ensinar sobre a
Soberania de Deus, a Predestinação e a eleição. João Calvino foi aquele que
mais se destacou em defender a fé das doutrinas da igreja medieval que ensinava
o mérito humano. As Institutas de Calvino visavam exatamente defender e
interpretar alguns textos que a Igreja medieval se baseava para não aceitar a
doutrina da eleição e soberania de Deus na Salvação, pois Calvino percebeu que
a igreja corria risco nas suas bases.
No entanto, levantou-se o
holandês Jacobus Arminius, que trouxe de volta as ideias de Pelágio. Porém, foram rejeitadas pelo sínodo de DORT e foram formulados os chamados cinco pontos do Calvinismo.
Porém, aos poucos, os discípulos de Armínio levaram adiante suas doutrinas e,
novamente, a Igreja passou por momentos de profunda corrupção doutrinária. Por
causa disso, alguns puritanos na Inglaterra se levantaram para defender novamente
a fé reformada constituindo a Assembléia de Westminster onde tentaram resguardar a
igreja de falsas doutrinas vindas do pelagianismo.
Mais tarde, novamente, a igreja
começou a se distanciar da doutrina reformada, chamada “calvinista”. Então, algumas
vozes bradaram no século XIX. Dentre eles, os puritanos Jonathan Edwards e
Charles Spurgeon que pregavam, escreviam e defendiam a fé reformada. Nessa
época, a igreja passou a ter grande influência de teologias liberais
influenciadas pelo Iluminismo e por teólogos liberais. Isso aconteceu
exatamente por causa do enfraquecimento das doutrina da Graça, pois a Escritura
foi fortemente atacada por esses teólogos. O teólogo Karl Barth se destaca em
defender a Igreja dessa visão por ser da igreja reformada da Alemanha. No
entanto, sua tentativa de refutar o que chamavam de neoprotestantismo ou liberalismo teológico trouxe uma ideia
intermediária da Escritura, pois ele afirmava que esta, apenas, continha a Palavra
de Deus, mas não era a Palavra de Deus. Mesmo assim, pode-se notar, através dos
esforços e das ideias de Barth, que era reformado, que os conceitos de
revelação e de Escritura reformados daquela época estavam em total decadência e
crise.
Nos nossos dias, com o
recrudescimento do fenômeno pentecostal, o calvinismo e os pontos calvinistas
ficaram quase esquecidos. Somente nos seminários de igrejas reformadas eram
ensinados ou levados a pensar sobre as dificuldades de textos que falam com
clareza da predestinação, eleição e soberania de Deus na salvação. Ao contrário
disso, as aulas de Teologia Sistemática e Bíblica eram sempre dadas por
professores arminianos que eliminavam os pontos calvinistas na salvação e
evitavam o debate.
A conseqüência desse avanço do
arminianismo e o esquecimento das doutrinas da Reforma nos nossos dias é o
recrudescimento de um outro fenômeno, o Neopentecostalismo. O
Neopentecostalismo tem o seu terreno fértil na doutrina arminiana, pois segundo
essas igrejas, as pessoas são abençoadas quando fazem alguma coisa, seja dando
o dízimo, seja indo a uma determinada igreja, seja ungindo objetos, seja
levando toalhas, seja recebendo água do rio Jordão. Na verdade, a igreja voltou
a agir como a igreja medieval, só que com o nome de protestante.
A outra conseqüência do
recrudescimento da doutrina arminiana é a heresia liderada pelo Pr. Ricardo
Gondim e, muitas vezes, defendida por Rene Kivitz, que é a chamada Teologia
Aberta. Nessa teologia, Deus não tem nada “fechado” e completo, pois Deus
respeita o livre arbítrio do homem. Os atributos da onisciência e da
onipotência de Deus são profundamente afetados nessa doutrina, em nome de um
Deus amoroso, mas que não pode intervir em catástrofes, mazelas e situações
críticas sociais. Para esses, só existe um atributo de Deus em ação – o amor.
Qual deve ser a postura dos mestres e pastores reformados?
Não tenho a intenção de fazer uma
apologia a intrigas nas redes sociais ou a facções de denominações. Porém, estou
defendendo que os mestres e pastores reformados não fujam do debate; não deixem
de pregar nos seus púlpitos sobre depravação total, predestinação, eleição,
expiação limitada e segurança de todos os crentes.
Os pastores precisam recomendar
bons livros de boas editoras como Cultura Cristã, Fiel e Vida Nova. Livros que
ensinem sobre a doutrina da Soberania de Deus como as Institutas de Calvino, o
livro de James Packer, “Evangelização e Soberania de Deus” da Cultura Cristã;
livros de Spurgeon que fala da Eleição, da escravidão do arbítrio; vários
livros de John Piper e muitos outros.
As igrejas precisam fazer retiros,
seminários e simpósios com mestres e pastores formados e preparados que abordem
sobre esses temas abrindo para perguntas para responder as dúvidas de textos
que precisam ser interpretados com cuidado, cautela e erudição; devem fazer
vídeos que ensinem sobre as doutrinas da Soberania de Deus; e que os pastores
possam estar prontos a responder a todos aqueles que têm dúvidas da doutrina da
soberania de Deus na salvação. Os pastores precisam estar preparados para irem
a debates e precisam estar prontos a defender a soberania de Deus na salvação
em qualquer situação. Sabendo que ela é a doutrina dos apóstolos, dos pais da
Igreja e da Reforma.
Conclusão:
Precisamos entender que o
silêncio da igreja da doutrina chamada Calvinista terá conseqüências mais
graves que se possa pensar. Por isso, devo estar pronto para pregar, ensinar e
debater, com muito respeito, com qualquer um que questione ou pergunte sobre a
doutrina da soberania de Deus na salvação.
Jamais podemos fugir de um debate,
em nome de uma comunhão, que distorce a sã doutrina. Qualquer comunhão que o
preço seja a sã doutrina não procede de Deus, pois, por isso que Jesus e os
apóstolos foram perseguidos (Gl 1.8-9).
Precisamos, sim, ter paciência em
responder a qualquer um que, com honestidade, tenha dúvida sobre essa doutrina.
Também, precisamos entender que a doutrina arminiana é mais favorável à
natureza humana e que é ensinada pela maioria da Igreja em todo o mundo.
Portanto, temos que ter paciência, erudição e preparo para responder a razão de
nossa fé (1Pe 3.15). Porque, se calarmos, depois, não teremos o direito de criticar as
heresias nas igrejas que tem como raiz as doutrinas arminianas.