Falar da Educação mexe com toda a
estrutura da sociedade em suas mais vastas dimensões, já que ela é monolítica.
Tratando-se de professores, muito mais, pois todos, um dia na vida, já passaram
pelas mãos de um ou alguém se fez de um. A própria palavra “professor” vem do
latim que quer dizer “aquele que ensina, cultiva uma arte ou dedica-se em
algo”, como a palavra usada na Grécia διδάσκαλος / didaskalos que quer dizer aquele que ensina, ou que é um mestre. De
uma certa forma, as palavras vieram da informalidade, passando, depois, para a
formalidade, pois todos precisam passar por um educador ou professor, nem que
seja na informalidade.
O texto do economista Gustavo
Ioschpe da revista Veja (21/abr/2012) é muito bom para análises econômicas, mas
muito deficiente no que diz respeito ao que ele se propõe a comentar – educação
e quem realmente é o professor brasileiro. Ele começa seu texto de uma forma
bem otimista, pois ele questiona o que chamou de “versão propalada aos quatro
ventos”. Ele coloca pesquisas que demonstram que os professores não escolheram
a profissão como uma “caída de paraquedas na carreira”, mas que a maioria
escolheu por amor à profissão. Demonstra que os dados levam que os professores são
mais idealistas e não são derrotados; coloca dados que a maioria dos
professores está satisfeito com a profissão quando entrevistados que no início
de sua carreira e afirma, também, que somente 10% querem abandonar a carreira.
Não obstante tudo isso, Gustavo
Ioschpe coloca toda a responsabilidade do problema educacional no que diz
respeito ao ensino-aprendizagem nas costas do professor. Ele afirma: “Essa
satisfação é curiosa, porque os professores estão falhando na sua tarefa mais
simples, que é transmitir conhecimentos e desenvolver as capacidades cognitivas
de seus alunos”. Para isso, ele aponta pesquisas entre os próprios professores.
Ele escreveu: “Só 32% deles concordariam em dizer ‘meus alunos aprendem de
fato’. Dois terços dos professores admitem que só conseguem desenvolver entre
40% e 80% do conteúdo previsto no ano. Só um terço coloca esse patamar acima de
80%”.
Partindo ainda da sua lógica
econômica, ele chega a uma conclusão que o “problema do sistema educacional” é
o professor. Ele afirma que o professor sai da universidade, passa em um
concurso e “fracassa”, pois seus alunos não aprendem. Ao invés desse professor
voltar a estudar, ele continua e isso por que não existe “sanção” ao “professor
ineficaz”. No restante do texto, Gustavo tenta mostrar o grande dilema do
professor em saber que ele é bom e que os seus alunos não estão aprendendo. Ele
termina selando suas críticas afirmando que “os professores criaram uma leitura
de mundo à parte e completa para se blindarem contra o próprio insucesso”. Ele
afirma, pois, que “na área da saúde, seria ridículo dizer que um pesquisador de
laboratório não pode criar um remédio porque nunca atendeu pacientes com aquela
doença ou que um medico só poderia realmente tratar do doente se tivesse
passado um tempo considerável internado no hospital. E afirma, para a minha
surpresa, que para ele é “iniciativas disparatadas melhorar a educação dobrando
os salários dos profissionais da área. A maioria dos professores não está com a
dignidade abalada”.
Precisamos, primeiramente, entender a tamanha falta de sensibilidade para com a profissão do professor do
economista Gustavo Ioschpe. Ele não é professor e, segundo consta no seu
currículo, não existe nenhuma especialidade na área da educação, exceto de participação de órgãos não governamentais (Veja na Wikipédia),
pois, para minha surpresa, não consta seu nome no currículo na plataforma Lattes.
Realmente Gustavo tem que se
defender da blindagem e, nesse caso, a blindagem vem dele, pois ele mesmo sabe
que está entrando em um terreno que não tem especialização, nem vivência. Ele
não percebe que a lógica do pesquisador de laboratório tem uma falácia, pois
este não está tratando de pessoas, mas de coisas e fórmulas químicas, que criam
remédios. No entanto, eles não podem medicar com os remédios que eles fabricam
porque eles NÃO são médicos. Da mesma forma, o médico não precisa passar pelas
mesmas coisas que o doente, mas ele precisa estudar em hospitais e residências
específicas para chegar a diagnósticos precisos. Isso é totalmente diferente de
um economista que se baseia apenas em dados de pesquisa para ter a coragem de
afirmar que “os professores criaram uma leitura de mundo à parte e completa
para se blindarem contra o próprio insucesso”.
Temos que pensar que os dados
precisam ser interpretados e eles podem ser usados de uma forma falaciosa
também. Por exemplo: o autor afirma que é falsa que as condições objetivas da
carreira de professor não são satisfatórias e que a “ideia que o professor
precisa correr de um lado para o outro, acumulando escolas e horas ‘insanas’
não resiste à apuração dos fatos”. Ele, então, dá os “fatos” dizendo que 57%
trabalham somente em uma escola; só 6% do total em 3 ou 4 escolas; 28% lecionam
40 horas e só um quarto tem jornada acima de 40 horas por semana.
No entanto, não se sabe em quais
escolas foram feitas essas pesquisas e nem em qual lugar do Brasil, pois a
pessoa mais simples da Nação saberia que esses dados não condizem com a
realidade brasileira e, principalmente, quando nos referimos ao Nordeste ou aos
lugares mais pobres da Nação. Mesmo assim, o que não se percebe é que Gustavo,
ao dizer que 57% trabalham em um só escola, não toca nos 43% que negaram. E, se ele acha esse número satisfatório para defender a satisfação objetiva da
carreira do professor, é mais uma razão para ele ser um bom economista, mas, só
isso.
A outra falácia é quando ele traz
uma pesquisa para afirmar que o problema de aprendizagem está no professor. Ele
afirma: “só 32% deles concordariam em dizer ‘meus alunos aprendem de fato’”.
Isso é uma falácia porque a pergunta foi feita se os alunos aprendem de fato.
No entanto, existem várias razões ou causas que levariam um estudante a ser
deficiente na aprendizagem. Começando pela sua família desestruturada, uma má
alimentação, falta de estrutura, como sala de aula inadequada, livros
didáticos, e outras coisas. Ou seja, os professores poderiam ter dito até 1% e
mesmo assim a causa não estar nos próprios professores. A aprendizagem inclui
vários fatores para acontecer e não somente a prática de ensino. Por isso, Vygotsky
afirma que a história da sociedade e o desenvolvimento do homem estão
totalmente ligados, de forma que não seria possível separá-los. Ele ainda
afirma que a aprendizagem sempre inclui relações entre pessoas. [1]. Da mesma
forma, para Jean Peaget, a aprendizagem acontece na medida em que participamos ativamente dos
acontecimentos, assimilamos mentalmente as informações sobre o ambiente físico
e social e transformamos o conhecimento adquirido em formas de agir sobre o
meio. Desta maneira, a aprendizagem, para esses teóricos, não começa na sala de
aula, mas muito antes. Portanto, alguém que coloca toda a responsabilidade
nas costas de um professor, ainda não sabe o que é apredizagem nem o que é
educação.
Na realidade, existem professores
ganhando muito mal e sempre na espera que seus salários estejam no dia, pois o
atraso é uma realidade para muitos professores do Brasil e principalmente do
Nordeste. Existem professores que suportam alunos indisciplinados que apontam
dedos, xingam, ameaçam e somente podem pedir por favor. Existem professores que
precisam trabalhar em outras áreas porque o seu salário não é o bastante,
ficando somente a madrugada para preparar aulas. Logo, como o autor tem a
coragem de afirmar que “as iniciativas são disparatadas em melhorar a educação
dobrando os salários dos profissionais da área”? E que “a maioria dos
professores não está com a dignidade abalada”? O autor demonstra desconhecimento
da realidade e prática da educação brasileira.
O economista Gustavo Ioschpe
curiosamente não toca que o professor é a única profissão que ele não somente
trabalha no seu lugar de trabalho. Ele leva provas, trabalhos e artigos para
casa para correção, usa seus fins de semana para preparar suas aulas e passa
horas na internet para reservar filmes e slides aos seus alunos quando têm
essas ferramentas. Gustavo Ioschpe não fala também que muitas professoras são mães
de famílias que deixam seus filhos ainda bebês em casa para cuidar dos filhos
dos outros e mesmo assim não são reconhecidas como deveriam.
Portanto, gostaria de responder
ao nobre economista que seria melhor fazer seus comentários nas páginas de economia,
pois educação ficou muito a desejar porque uma nação que não reconhece seus professores não pode
crescer.
[1] TAILLE, Yves de L., OLIVEIRA, M. K.,
DANTAS, H., Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. Pág.
23-36, São Paulo, ed. Summus, 1992