Entre os muitos clichês no
evangelicalismo brasileiro, está a famosa frase em tempo de eleição: “irmão
vota em irmão”. Facilmente encontramos esse clichê nas bocas dos políticos
evangélicos aproveitadores e de pastores avarentos e corruptos para
incentivarem os membros de suas igrejas a votarem.
Esse clichê serve para que
pastores mal intencionados, avarentos e “comerciantes do Evangelho” possam
pressionar suas ovelhas a votarem nos candidatos que negociam ou dão algum
benefício às suas igrejas. Esses pastores ainda sequestram a consciência de
suas ovelhas afirmando que elas devem autoridade a eles e que, se elas votarem em
outro candidato que eles não indicaram, estarão em rebelião. Mais grave ainda,
quando o pastor divide o ministério pastoral com as eleições em nome de trazer
benefício ao “povo evangélico”. Esses pressionam suas ovelhas e manipulam-nas
com esse mesmo clichê exigindo que elas votem nele.
Alguns ainda têm a ousadia de
citar versos bíblicos para justificar esse clichê. No entanto, a Escritura nos
orienta de outra forma. Ela nos dá base para desconfiarmos dessa expressão que
se torna uma arma para aproveitadores em tempo de política.
Precisamos pensar que o ideal é
realmente um homem temente a Deus, que esteja com o seu coração na comunidade
(não falo em igrejas específicas, mas na cidade como o todo, pois é isso que
poderíamos chamar de “amar o próximo”) e que tenha capacidade para estar nos
devidos cargos políticos. No entanto, nem sempre isso acontece. Muitas vezes um
irmão se candidata, mas não é capaz suficiente de estar naquele cargo, como
também não tem ética política, pois somente pensa em beneficiar sua igreja e
seu pastor de origem ou as igrejas evangélicas sem analisar a necessidade no
sentido geral da cidade.
Portanto, o temor a Deus inclui
tudo isso. Desde estar capacitado para o cargo, zelo pela ética como ter uma
visão política holística e não sectária.
Muitos desconhecem que existe no
homem caído em Adão a imagem e semelhança de Deus e que existem ainda
princípios morais e éticos nesse homem. Foi isso que Paulo afirmou:
Romanos 2:14-15 14
Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de
conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. 15 Estes mostram a norma da
lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus
pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se,
Paulo ainda ensinou aos romanos
que ficavam na capital do império e que reclamavam, com certeza, dos
governantes buscando rebelar-se contra eles reconhecê-los como ministros de
Deus.
Romanos 13:1-4 Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque
não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram
por ele instituídas. 2
De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os
que resistem trarão sobre si mesmos condenação. 3 Porque os magistrados não são para temor,
quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a
autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, 4 visto que a autoridade é ministro de Deus para
teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela
traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o
mal.
Paulo estava ensinando à igreja
de Roma que as autoridades daquela época que eram mais ímpias e idólatras que
hoje serviam como ministros de Deus
(v.4). Elas cumpriam o propósito de Deus em coibir o mal e equilibrar a maldade
humana na natureza herdada em Adão. Portanto, Paulo deixa uma forte base de que
Deus usa muito bem as autoridades ímpias para o seu propósito na sociedade. Até
mesmo porque existem ímpios mais éticos na política que muitos que se dizem
cristãos e crentes.
No Velho Testamento, Deus levantou
um homem que não era judeu e chamou-o de “seu ungido”. O nome dele era Ciro,
como afirma o profeta Isaías:
Isaías 45:1 Assim diz o SENHOR ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela
mão direita, para abater as nações ante a sua face, e para descingir os lombos
dos reis, e para abrir diante dele as portas, que não se fecharão.
Isaías 45:13 13
Eu, na minha justiça, suscitei a Ciro e todos os seus caminhos endireitarei;
ele edificará a minha cidade e libertará os meus exilados, não por preço nem
por presentes, diz o SENHOR dos Exércitos.
Isso demonstra mais uma vez que
Deus usa ímpios, pois Deus chamou Ciro de seu ungido, escolhido exatamente para
cumprir o seu propósito de restabelecer o povo de Israel. Assim também, como Deus
usou o rei Nabucodonosor para cumprir o seu propósito de juízo a esse mesmo povo.
Portanto, temos fortes bases para
votar em qualquer pessoa que demonstre experiência, ética e conhecimento para
administrar a cidade sem que seja necessariamente um crente, que muitas vezes é inapto e desonesto, pois nem sempre estas características estão presentes em crentes
ou políticos evangélicos que se candidatam. O próprio Deus exigiu que Moisés escolhesse
homens capazes em primeiro lugar:
Êxodo 18:21 21
Procura dentre o povo homens capazes, tementes a Deus, homens de verdade, que
aborreçam a avareza; põe-nos sobre eles por chefes de mil, chefes de cem, chefes
de cinqüenta e chefes de dez;
Notem que Deus ordena que Moisés
busque homens capazes, primeiro; depois, tementes a Deus e que aborreçam a
avareza. Assim, se um ímpio tem mais características que um crente para um
determinado cargo, este deve ser escolhido, pois como alguém pode estar à
frente de algo que não entende, ou não estudou para isso, ou não buscou
desenvolver suas habilidades para tal cargo? Seria ir contra os dons da graça comum que
Deus distribui a todos os homens. Da mesma forma, como alguém pode ser escolhido se é avarento demonstrando através de suas maquinações na igreja para eleger-se?
Textos mal interpretados para esse clichê
Existem alguns textos que
precisamos interpretá-los aqui. Eles não são difíceis, mas como a maioria que
escolhe esse clichê é de pessoas incautas, devemos citá-los e analisá-los.
1 Timothy 5:8 8 Ora, se alguém não tem cuidado dos seus e
especialmente dos da própria casa, tem negado a fé e é pior do que o descrente.
O contexto que Paulo está
advertindo a igreja nesse texto de 1Ti 5.8 é que as viúvas que não tinham
parentes estavam sendo esquecidas (v.3,4) e estavam sobrecarregando a igreja
com aquelas que tinham parentes. Por causa disso, Paulo fala para que Timóteo
exorte a igreja a ter cuidado com os de sua própria casa. Não quer dizer
absolutamente nada sobre política ou escolha de candidatos.
Galatians 6:10 10
Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas
principalmente aos da família da fé.
O segundo texto também não diz
respeito à política, mas o fazer o bem em prática altruísta, no sentido geral.
Mesmo porque, se prestarmos atenção, o voto não é um bem altruísta, mas um
dever de cidadão dentro de características que foram acima citadas, pois o altruísmo se anula quando passa a ser feito por dever e obrigação. Se
partirmos dessa interpretação, somente compraríamos em supermercado, loja de
crente; abasteceríamos somente em posto de irmãos da igreja; matricularíamos
somente em escolas de irmãos. No entanto, não é isso que o texto quer afirmar,
mas que, antes de pensarmos em fazer uma ação social aos de fora, devemos perguntar
se nossos parentes ou irmãos da igreja precisam. Isso nunca inclui a política, já que é uma ação
social que exige coerção social conforme Émile Durkheim.
Portanto, irmão não é obrigado a
votar em irmão. Candidatos irmãos e pastores que manipulam suas ovelhas por
esse clichê, devem mudar seu procedimento e entender que os irmãos que se
candidatam devem convencer pela capacidade administrativa, ética e verdade,
pois tudo isso se resume em temor do Senhor. Caso não haja, ou até mesmo existam
outros candidatos melhores em capacidade e comprometimento, os irmãos devem
fazer uso da plena liberdade e democracia em votar naqueles candidatos que
forem mais capazes e coerentes.
ótima reflexão, nos leva a questionar outro clichê que surgiu no meio dos neopentecostais que esposam a teologia do domínio, de que "o Reino de Deus avançará se os evangélicos ocuparem cargos estratégicos na política", quando,na verdade, Jesus distinguiu César de Deus(Lc 20:25), disse que o seu Reino não era deste mundo(Jo 18:36); e quando falou sobre liderança disse que o exemplo de hierarquia política mundana não era para ser seguido (Mt 20:26), pelo contrário liderança no Reino é sinônimo de "servidão".
ResponderExcluirNilson,
ResponderExcluirTem toda razão. Esse é mais um clichê para prender a consciência dos incautos e ingênuos nas igrejas. Devemos rejeitá-la. O Reino de Deus avança em todas as áreas e não somente em cargos políticos. Deve-se começar, inclusive, pelo nosso voto e ética na escolha dos candidatos.