domingo, 31 de maio de 2015

EM DEFESA DA EXPIAÇÃO LIMITADA E UMA REFUTAÇÃO AO TEXTO DE ZWINGLIO RODRIGUES – ANÁLISE DE 1 JOÃO 2.2 E 1 TIMÓTEO 2.4




As controvérsias teológicas são importantes porque elas nos fazem ver os lados obscuros que determinado teólogo não demonstrou. Seja por falta de conhecimento, que, nesse caso, seriam de Hermenêutica e Exegese, seja por desonestidade intelectual vindo de uma defesa apaixonada por determinado assunto, seja por não querer se aprofundar no outro lado da questão.
O texto da revista Obreiro Aprovado, ano 36, nº 68 de autoria do Pr. Silas Daniel trouxe uma resposta do renomado teólogo batista Franklin Ferreira demonstrando as falhas históricas, teológicas e exegéticas desse autor (veja aqui).
Como resposta ao teólogo Franklin Ferreira, um teólogo arminiano chamado Zwinglio Rodrigues, cujo blog dedica-se a escrever e defender essa doutrina, tenta refutá-lo com o tema “Comentários e respostas à crítica de Franklin Ferreira ao artigo ‘Em Defesa do Arminianismo”.
A resposta do teólogo no blog me causou admiração por vários motivos. Primeiro, pela frase de Tomás de Aquino no blog ao lado: “Para mim, tudo que escrevi parece palha”. Na verdade, essa frase me livrou de dar algum parecer sobre o seu texto, senão, de apenas concordar com essa frase no seu blog.
Depois, admirei-me também pela falta de referências, sendo que estava trazendo uma refutação histórica, teológica e exegética a uma refutação de um teólogo. O que impressiona mais ainda é que o autor se justifica por afirmar que o seu texto era apenas informal. No entanto, não se trata de formalidade ou informalidade, mas de credibilidade das citações, mesmo que sejam informais. O próprio Franklin Ferreira, apesar de ter postado em seu Facebook, não deixou de colocar referências, mesmo de uma maneira informal. Demonstra-se, com isso, que o autor tem uma debilidade muito grande em perceber esse aspecto.
O outro motivo que me impressionou foi o simplismo e a superficialidade dos argumentos exegéticos desse autor (com todo respeito). O autor critica a frase de Franklim Ferreira que afirmou: “exegese, exegese e mais exegese” e, pareceu-me, que o autor, com isso, quis mostrar que ele, sim, a partir daquele texto, faria uma exegese. Ele escreve:

Ferreira crítica Daniel por apresentar textos-prova para suas afirmações e não oferecer nenhuma discussão léxical e/ou exegética. Não vou entrar no mérito da reprimenda. Mas, entendendo (acredito que Daniel também) a importância de uma abordagem exegética dos textos bíblicos, conforme destaca Ferreira. Por isso, desejo apresentar aqui duas referências bíblicas pinçadas do artigo de Daniel que atestam a doutrina da expiação ilimitada, uma doutrina cara ao arminianismo clássico.


Tais escrituras não serão dadas apenas como textos dos quais se presume a expiação ilimitada, mas sofrerão uma análise exegética e lexical.

O autor citou dois textos-chave para a doutrina arminiana que nega a expiação limitada. Com isso, ele deu a entender que a partir daquele momento iria fazer uma exegese começando por 1 Timóteo 2.4. Porém, parece que o autor não sabe o que é exegese, pois, para a sua exegese de 1 Timóteo 2.4, ele simplesmente cita a opinião de Charles Spurgeon. Isso mesmo: apenas a opinião de Spurgeon. Se ele trouxesse a exegese de Spurgeon, seria mais compreensivo. No entanto, o autor traz apenas a sua opinião.
Esse tipo de argumento faz parte de uma falácia chamada “falácia da autoridade”. Essa falácia demonstra que o argumento está apenas baseado na opinião de uma autoridade e nenhum argumento lógico é desenvolvido para demonstrar o contrário.
A base exegética de Spurgeon do texto é apenas superficial da expressão “todos os homens” sem nenhuma exegese do texto em questão e o autor Zwinglio apenas o reproduz sem desenvolver absolutamente nada e sem dar nenhuma referência.
No entanto, o problema da falácia da autoridade é que, se o autor se baseia apenas na autoridade da pessoa que usou como base, ele também deve aceitar outras afirmações do mesmo autor, já que ele o tem como base de argumento, inclusive da mesma área que é a Soteriologia. Então, vamos ver o que Charles Spurgeon pregou e escreveu sobre o assunto. Afinal de contas se Spurgeon está certo na sua interpretação de 1Tm 2.4, por que não estaria nas demais, já que não houve argumento por parte do autor? Vejamos o que Spurgeon pregava e escrevia, pois esses textos vêm de suas pregações.

1. Sobre o livre-arbítrio:

Já foi provado além de toda controvérsia que o livre-arbítrio é uma tolice. A liberdade não pode pertencer ao arbítrio como a ponderação não pode pertencer à eletricidade. Podemos crer em um agente livre, porém, o livre-arbítrio é simplesmente ridículo. É bem conhecido de todos que a vontade é dirigida pelo entendimento, movida por motivos, conduzida por outros componentes da alma e considerada como algo secundário.


Tanto a filosofia como a religião descartam de uma vez a ideia de livre-arbítrio: e eu vou tão longe quanto Martinho Lutero, em sua forte afirmação, onde ele diz: “se algum homem, de alguma maneira, atribuir a salvação ao livre-arbítrio do homem – mesmo a ínfima parte – nada sabe sobre a graça e não conheceu Jesus Cristo corretamente” (SPURGEON, 1994, p. 1-2).

2. Sobre a Eleição e predestinação:

Spurgeon cita e concorda com a antiga confissão Batista:

Abro agora este antigo livro, e encontro o seguinte terceiro artigo:


“Por decreto de Deus, tendo em vista a manifestação de sua glória, alguns homens e anjos foram predestinados ou ordenados de antemão para a vida eterna, por meio de Jesus Cristo, para o louvor de sua gloriosa graça; e, quanto aos demais, foi-lhes permitido continuarem em seus pecados, tendo em vista a sua justa condenação, para o louvor da gloriosa justiça divina. Esses anjos e homens, assim predestinados ordenados com antecedência, foram particular e imutavelmente designados, e o seu número foi determinado de maneira tão certa e definida com esse total não pode ser nem aumentado e nem diminuído. No caso daqueles membros da humanidade que foram predestinados para a vida, Deus, antes de serem lançados os fundamentos do mundo e conformidade com o seu eterno e imutável propósito, bem como de acordo com o secreto conselho e beneplácito de sua vontade, escolheu em Cristo, para a glória eterna e com base em sua pura graça gratuita e em seu amor, sem que houvesse qualquer outra consideração na criatura como condição ou causa que OU tivesse impelido a isso, aqueles a quem assim o quis”.


Não obstante, no que concerne a esses testemunhos humanos autoritativos, não me importa sequer com eles. Não me interessa o que esses testemunhos afirmam em favor ou contra a doutrina da eleição. Tão somente lancei mão deles como uma espécie de confirmação para a vossa fé, afim de mostrar a vocês que, embora eu possa ser acusado de um herege ou de um hipercalvinista, em última análise, o testemunho mesmo da antiguidade está me prestando o seu apoio (SPURGEON, 1994, P. 8-9).

3. Sobre a perseverança dos santos

Demais disso, quero que vocês se lembrem que hoje somos vistos por Deus da mesma maneira como sempre éramos vistos. Ele já nos viu desde o princípio, sujeitos ao pecados, caídos e depravados, e mesmo assim prometeu fazer-nos o bem.


Ele me viu arruinado pela queda,
No entanto, me amou, apesar de tudo.

E se hoje sou pecaminoso, se hoje preciso gemer por causa da minha natureza maligna, simplesmente estou onde eu estava quando ele me escolheu, e me chamou, e me redimiu pelo sangue de seu Filho. “porque Cristo, quando ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios” (Rm 5.6). Éramos objetos não-merecedores da sua misericórdia a qual ele nos outorgou somente pelo motivo que estava dentro de sua própria natureza; e se continuarmos não merecendo, segue se que sua graça continua sendo a mesma. Se for assim, que ele ainda lida conosco através da graça, fica evidente que ainda nos vê como não-merecedores. E porque ele não iria fazer o bem a nós conforme fez de início? Certamente, se a fonte é a mesma, a corrente continuará fluir. (SPURGEON, 1994, p. 12-13)

Esses textos de Spurgeon expostos são para demonstrar, apenas, que ele é uma das pessoas que um Arminiano jamais deveria fazer referência para defender o Arminianismo, e muito menos usando a falácia da autoridade baseado nele.
No entanto, a última palavra nunca será do homem, mas será sempre da Escritura. Da mesma forma que, antes de Spurgeon, Calvino já defendia nas suas Institutas que o “todos os homens” de 1Tm 2.4 se referia a grupos de homens como no contexto do verso primeiro (Institutas, Livro III, p. 442). Portanto, precisamos analisar as Escrituras dando motivos exegéticos e lógicos por que eles estariam certos e não somente devemos nos basear em seus argumentos.

Interpretação de 1Timóteo 2.4

1 Timothy 2:4   o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade.

ος παντας ανθρωπους θελει σωθηναι και εις επιγνωσιν αληθειας ελθειν

Calvino usa uma lógica exegética perfeita, pois a expressão παντας ανθρωπους traduzida para “todos os homens” deve ser interpretada dentro do mesmo contexto que o verso primeiro:

1 Timothy 2:1-2  Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens,  2 em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito.
παρακαλω ουν πρωτον παντων ποιεισθαι δεησεις προσευχας εντευξεις ευχαριστιας υπερ παντων ανθρωπων

Paulo exorta que façam súplicas e orações por todos os homens υπερ παντων ανθρωπων. Com certeza, esse “todos os homens” não se refere cada homem da face da terra, pois seria uma ordenança impossível. O sentido é que a Igreja ore também pelos reis e aqueles que estão investidos de autoridades (v.2). O que Paulo está ordenando é que a igreja se dedicasse a orar pelos imperadores e reis que eram ímpios, inclusive sendo a causa da prisão de Paulo cuja prisão veio pela ordem destes governantes.
O que Paulo afirma no verso quatro é a conclusão que vinha defendendo nos versos anteriores que Deus quer que todos os homens sejam salvos, ou seja, todas as classes, incluindo reis, imperadores, escravos, homens mulheres, crianças, pois os judeus faziam acepção de pessoas influenciando a igreja no primeiro século.

Galatians 3:28-29  28 Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.  29 E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa.

1 Peter 1:17  17 Ora, se invocais como Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo as obras de cada um, portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação,

Portanto, Calvino está com razão em fazer a sua exegese diante da análise acima demonstrada.

Com respeito ao segundo texto, o autor seguiu alguns passos exegéticos e, por isso, eu me dedicarei mais a esse texto. Primeiro porque ele é um texto de difícil interpretação que exigirá um conhecimento mais exegético. Depois, pretendo demonstrar que a análise do autor Zwinglio do texto de 1Jo 2.2 está cheia de dificuldades exegéticas.

Análise da palavra ὅλου

A palavra ὅλος quer dizer “inteiro, completo, todo”. O autor está correto em citar os eruditos que traduzem essa palavra. No entanto, essa palavra, assim como os pronomes indefinidos “todo, tudo”, deve ser interpretada segundo o seu contexto, pois, caso contrário, pode-se ter uma grande distorção.
Por exemplo:

Acts 10:22  22 Então, disseram: O centurião Cornélio, homem reto e temente a Deus e tendo bom testemunho de toda a nação judaica, foi instruído por um santo anjo para chamar-te a sua casa e ouvir as tuas palavras.

οι δε ειπον κορνηλιος εκατονταρχης ανηρ δικαιος και φοβουμενος τον θεον μαρτυρουμενος τε υπο ολου του εθνους των ιουδαιων εχρηματισθη υπο αγγελου αγιου μεταπεμψασθαι σε εις τον οικον αυτου και ακουσαι ρηματα παρα σου

Lucas usa o mesmo adjetivo ὅλου que a RA traduziu como “toda a nação judaica” - υπο ὅλου του εθνους των ιουδαιων εχρηματισθη
Ninguém, em uma sã consciência, iria entender que Lucas estivesse afirmando que toda a nação de Israel incluindo cada pessoa que habitava na região de Israel e em todos os tempos conheciam Cornélio. Isso seria um absurdo! No entanto, o texto deixa claro que ele era conhecido por toda ὅλου a nação de judeus. Pelo contexto, deve-se entender que Cornélio era conhecido pelos judeus da sua região, pois o próprio Pedro seria excluído desse adjetivo porque ele não o conhecia.
Depois, o autor Zwinglio usa o texto de 1Jo 5.19 para defender que a interpretação de “mundo inteiro” significa cada pessoa do mundo e não somente os eleitos.

1 John 5:19  19 Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno.

οιδαμεν οτι εκ του θεου εσμεν και ο κοσμος ολος εν τω πονηρω κειται

O autor usou um princípio hermenêutico correto, pois ele buscou a análise da palavra no mesmo livro, citando a base disso o Rev. Augustus Nicodemus que é uma autoridade em Hermenêutica.
No entanto, dificilmente o Dr. Augustus Nicodemus concordaria com a sua análise no verso em si. O autor acertou no princípio de interpretação, mas errou em outros no próprio verso.
Primeiro, o autor acertou em demonstrar que a expressão ο κοσμος ὅλος se refere a pessoas e não ao sistema maligno. Pode-se perceber isso pelo contexto do verso 18 que está falando de pessoas, daqueles que não vivem pecando e que guardam a si mesmo, e o Maligno não lhe toca. Portanto, está correta a interpretação que se refere a pessoas.
No entanto, se o autor interpretar a expressão ο κοσμος ολος como incluindo todas as pessoas sem exceção, o autor tem que admitir que ele mesmo jaz no maligno, ou seja, ele está nas mãos do maligno, pois segundo a sua interpretação, a expressão precisa ter o mesmo significado que 1Jo 2.2. Caso contrário, a sua citação e argumentação não tem sentido.
Precisamos notar que autor não usou o princípio Hermenêutico que ele mesmo defende para a sua análise de 1Jo 5.19, pois fica claro que a expressão ο κοσμος ολος se refere somente aos incrédulos, pois João, no verso 18, afirma que o Maligno não os toca e ele começa o verso 19 afirmando “sabemos que somos de Deus” οιδαμεν οτι εκ του θεου εσμεν. Essa expressão tem a preposição εκ que significa “sair” demonstrando que se refere àqueles que nasceram de Deus, porém, o mundo, ou seja, os incrédulos estão nas mãos do Maligno.
Portanto, a análise do autor de que a expressão ολου του κοσμου significa todas as pessoas sem exceção é completamente deficiente e digna de total rejeição pelos motivos hermenêuticos e exegéticos apresentados acima.
Mas afinal de contas, o que João queria falar no verso e o que significa a expressão ολου του κοσμου?

A Interpretação de 1 João 2.2

και αυτος ιλασμος εστιν περι των αμαρτιων ημων ου περι των ημετερων δε μονον αλλα και περι ολου του κοσμου

Primeiro, precisamos analisar o que significa a palavra grega ἱλασμος traduzida para “propiciação”. No VT, na tradução da LXX, essa palavra referia-se ao perdão usando um sacrifício de um animal no lugar do pecador. No entanto, era somente para Israel e não para todas as nações.

Leviticus 25:2  2 Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: Quando entrardes na terra, que vos dou, então, a terra guardará um sábado ao SENHOR.
Leviticus 25:9   9 Então, no mês sétimo, aos dez do mês, farás passar a trombeta vibrante; no Dia da Expiação, fareis passar a trombeta por toda a vossa terra.

Com respeito à palavra derivada, ἱλαστηριον, traduzida para “propiciatório”, o lugar onde era feito a propiciação, e usada como a tampa da arca onde ficavam os querubins entre os quais o Senhor falava com Moisés, referindo-se também para Cristo, demonstrava-se que era somente para os Filhos de Israel e não para todas as pessoas.

Exodus 25:22   22 Ali, virei a ti e, de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins que estão sobre a arca do Testemunho, falarei contigo acerca de tudo o que eu te ordenar para os filhos de Israel.

O apóstolo aos Hebreus desenvolve de uma forma mais clara quando escreve aplicando somente à Igreja:

Hebrews 9:5-6  5 e sobre ela, os querubins de glória, que, com a sua sombra, cobriam o propiciatório (ἱλαστηριον). Dessas coisas, todavia, não falaremos, agora, pormenorizadamente.  6 Ora, depois de tudo isto assim preparado, continuamente entram no primeiro tabernáculo os sacerdotes, para realizar os serviços sagrados;
Hebrews 9:14-15  14 muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!  15 Por isso mesmo, ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira aliança, recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados.

O apóstolo deixa bem claro que a promessa da remissão no contexto da propiciação e da expiação em Cristo Jesus que é o “Mediador da Nova Aliança” διαθηκης καινης μεσιτης e o propiciatório e propiciação (Rm 3.25) é somente para “aqueles que têm sido chamados” οι κεκλημενοι της αιωνιου κληρονομιας.
O apóstolo usa o verbo grego καλεω / “chamar” no particípio perfeito passivo para demonstrar mais ainda a força do seu argumento da escolha soberana de Deus.

O contexto da Epístola

Antes de analisarmos o contexto imediato do texto falado. É necessário saber o contexto histórico no qual a epístola foi escrita para entendermos porque João fez algumas exortações, inclusive o verso 2 do capítulo 2.
João estava escrevendo a sua epístola defendendo contra os falsos mestres gnósticos que afirmavam que a salvação vinha de um conhecimento oculto que era revelado somente aos poucos iniciados. Eles negavam a encarnação de Cristo, pois diziam que a matéria era má e a carne era pecaminosa. Por causa disso, os mestres com influência gnóstica que entraram na igreja pregavam que a salvação era somente aos poucos iniciados na igreja e não a todos os grupos em todos os lugares, sendo somente a um grupo fechado.
John Stott, em seu comentário sobre a primeira epístola de João quando fala sobre o gnosticismo escreve:

Uma terceira característica dos gnósticos, Cerinto sem dúvida incluído, parece que era a sua falta de amor. Pretendendo constituir uma aristocracia espiritual dos iluminados que, só eles tinham vindo a conhecer “as profundezas”. Desprezavam a carreira comum dos cristãos. João golpeia essa perigosa maneira de ver afirmando que não existem duas categorias de cristãos, os iluminados e os não, pois Deus é luz continuadamente se revelando a todos [os cristãos](ênfase minha). (STOTT, 1985, P. 43)

Simon Kistemaker, em seu comentário de primeira João, também demonstra essa perspectiva histórica quando fala do gnosticismo. Ele escreve:

Em primeiro lugar, os gnósticos exaltavam a aquisição de conhecimento, pois, a seu ver, o conhecimento era o fim de todas as coisas. Por causa de seu conhecimento, tinham uma compreensão diferente das Escrituras, e, por causa dessa compreensão, separavam-se dos cristãos que não haviam sido iniciados. (KISTEMAKER, 2006, p. 285)

Nesse contexto é que entendemos a advertência de João que não seria somente aos cristãos da igreja, mas a todos os demais que Deus chamasse como o autor aos Hebreus escreveu (Hb 9.15).

Contexto Imediato (1Jo 2.1-2)

τεκνια μου ταυτα γραφω υμιν ινα μη αμαρτητε και εαν τις αμαρτη παρακλητον εχομεν προς τον πατερα ιησουν χριστον δικαιον
 και αυτος ιλασμος εστιν περι των αμαρτιων ημων ου περι των ημετερων δε μονον αλλα και περι ολου του κοσμου

Precisamos Analisar que o verso 2 vem do contexto e da lógica do verso primeiro, pois começa com a conjunção coordenada και demonstrando que os versos estão ligados e coordenados. João começa explicando do verso primeiro o seu objetivo que era trazer uma profunda sensibilidade ao pecado, pois os verbos ἁμαρτανω estão no aoristo. Essa sensibilidade deve nos trazer uma profunda consciência de um advogado perante o Pai que é Jesus Cristo, o Justo - παρακλητον εχομεν προς τον πατερα ιησουν χριστον δικαιον.
Nenhum arminiano se aventuraria a dizer que esse “nós temos um advogado perante o Pai” incluiria incrédulos. Portanto, pelo contexto do verso primeiro, João continua seu argumento falando apenas da igreja para afirmar que esse Jesus é a propiciação não somente dos “iniciados” como os mestres gnósticos ensinavam, porém, ele é a propiciação da igreja, composta de gentios e judeus, como também todos os eleitos que ainda iriam crer em Cristo.
Por isso, João escreve de uma forma semelhante e mais detalhada:

1 John 4:10   10 Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados.

εν τουτω εστιν η αγαπη ουχ οτι ημεις ηγαπησαμεν τον θεον αλλ οτι αυτος ηγαπησεν ημας και απεστειλεν τον υιον αυτου ιλασμον περι των αμαρτιων ημων

Dessa vez, João especifica somente a Igreja, pois ele afirma sempre os pronomes na primeira pessoa do plural demonstrando que se referia somente a ela. Ele amou a sua igreja enviando seu Filho como propiciação com respeito aos “nossos pecados” - περι των αμαρτιων ημων.

Conclusão

Precisamos perceber que esses versos não são nenhuma ponte intransponível à doutrina da Expiação Limitada, demonstrada pelos apóstolos e reformadores. Ao contrário, eles se completam em demonstrar que a eleição não se limita a um grupo, nem aos “iniciados”, mas a todos a quem nosso Deus chamar (At 2.39). Por isso, meu objetivo foi exatamente demonstrar que As Escrituras demonstram que a expiação limitada é mais aceitável dentro de uma exegese e Hermenêutica que levem em conta todos os seus aspectos.
Não tive a intenção de falar especificamente da expiação limitada, pois há muitos versos que demonstram de uma forma clara que Cristo morreu pelos seus eleitos que estão guardados no plano secreto e eterno de Deus. No entanto, os textos bíblicos demonstram que os reformadores estavam corretos em rejeitar a doutrina Arminiana diante das debilidades exegéticas e textuais.
Portanto, precisamos pregar e ensinar sem nenhum medo que Deus é totalmente soberano, pois Deus prestará contas com todos aqueles que negligenciaram “todo o seu conselho”. 

REFERÊNCIAS

SPURGEON, C. H. Livre-arbítrio - Um Escravo. São Paulo: PES, 1994.
SPURGEON, C. H. Eleição. São Paulo: Editora Fiel, 1987
SPURGEON, C. H. A Perseverança na Santidade. São Paulo: PES, 1994.
STOTT, John R. I, II e III João - Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1985.
KISTEMAKER, Simon. Tiago e Epístolas de João. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.




segunda-feira, 4 de maio de 2015

O CULTO EM TROCA DA DIVERSÃO: UMA ANÁLISE DAS PREGAÇÕES DO PR. CLÁUDIO DUARTE



Um dos grandes problemas da igreja pós-moderna é aqueles que confundem pregação da Palavra de Deus com palestras de autoajuda, shows de unção esdrúxula ou uma espécie de Stand up Comedy.

O grande problema disso é o enfraquecimento doutrinário da Igreja, pois se o lugar do ensinamento da Palavra de Deus está sendo negligenciado, como evitar heresias e distorções doutrinárias na igreja?

Muitas igrejas estão confundindo culto com diversão. A diferença é que o culto tem Cristo como o centro e não alguma personalidade; a prioridade é a sua Palavra servindo a Deus em adoração e louvor com ações de graças. Já a diversão gira em torno de nós mesmos, a prioridade é agradar o público e o centro é o homem ou alguma personalidade, não Deus. Por isso, Paulo adverte os coríntios, quando fala da Ceia do Senhor, e lembra um texto do VT, pois eles estavam exatamente fazendo da Ceia do Senhor um evento de diversão:

Não vos façais, pois, idólatras, como alguns deles; porquanto está escrito: O povo assentou-se para comer e beber e levantou- se para divertir-se. (1Co 10.7)

Paulo usa o verbo grego παιζειν no infinitivo presente que significa exatamente “proporcionar riso ou fazer cântico engraçado” para traduzir a palavra “divertir”. A diversão é lícita, porém, quando é para banalizar a obra de Deus causa juízo, pois é isso que os coríntios estavam fazendo com a Ceia do Senhor. Eles bebiam o vinho da Ceia e ficavam alegres demais e começavam fazer “graça” no culto.

As igrejas, hoje, estão trocando os cultos por shows de Stand Up ou de diversão em vários aspectos. Por isso, em muitas igrejas são colocados ringues de Vale Tudo; lideres vão fantasiados de Chapolim Colorado ou coisas que atraem as multidões para a diversão. Principalmente quando se trata de jovens. Acham que para atrair os jovens às igrejas ou para levá-los a lerem a Bíblia precisam fazer Bíblias atraentes, incluindo biografias de cantores gospels como a chamada Bíblia do Talles ou outras do gênero.

Um dos pastores que tem se destacado nesse tipo de evangelismo e pregação é o Pr. Cláudio Duarte. O lema de seu ministério é “Um pastor cheio de graça” que demonstra uma ambiguidade da palavra “Graça” no sentido de dádiva divina revelada em Cristo e o sentido de “engraçado”. Na verdade, o segundo significado caracteriza-o melhor. 

O Pr. Cláudio Duarte, geralmente, vai a igrejas cujas reuniões são cheias e que cobram um certo ingresso, seja com produtos não perecíveis ou uma certa quantia em dinheiro. Sua linguagem é bem informal cometendo erros até graves de Português e sempre buscando levar o seu público a risadas como se o seu grande objetivo ali fosse fazer pessoas rir e não pregar “Todo o conselho de Deus”.

Suas pregações são temáticas e simples com a leitura apenas de um verso ou uma Parábola e sempre trazendo uma linguagem que traga risos ou citando textos com interpretações estranhas para que fiquem engraçadas. Esse é um dos grandes problemas desse tipo de pregação. Como o objetivo é divertir as pessoas, precisa-se buscar anedotas e coisas engraçadas com distorções sérias de alguns textos da Bíblia para fazê-los engraçados.

Um dos exemplos é o que está nesse vídeo, onde o Pr. Cláudio Duarte afirma quando fala de vida com abundância em Jesus: 

O segredo é viver, querido. Não perca tempo com coisas medíocres. Aprenda com Jesus a viver. Aliás, como lição que essa não aprendi com Jesus, não. Mas deveria ter aprendido.


Que Jesus é tão esperto que ele falou: Pai, eu vou à Terra. Vão cuspir ni (sic) mim, vão conspirar, vão querer me matar, vão me pôr uma coroa de espinhos, vão me furar... Eu morro! Agora casar... Essa loucura não vou fazer não!

Essa declaração é falada sem nenhuma observação que é uma brincadeira e demonstra perigos em vários aspectos que gostaria de destacar aqui:

1. Jesus é apresentado como alguém que tem aversão ao casamento por não ter casado.

Essa ideia é perigosa, pois o modelo agora é o Senhor Jesus Cristo e, se for mal interpretado, pode-se causar problemas sérios com respeito ao que Cristo pensa sobre o casamento. 

Cristo não casou com uma mulher porque a sua noiva é a sua Igreja:

Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela. Ef 5.25

Embora que quando a Escritura fala de Cristo como noivo e a Igreja como noiva tenha o sentido metafórico, o aspecto de aliança, compromisso, doação e cuidado são os mesmos. Por isso que Paulo citou Cristo e sua Igreja para falar de relacionamento conjugal, senão, não teria sentido.

Cristo não casou com uma mulher porque ele veio como um cordeiro, especificamente para morrer pela sua Igreja:

No dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo! (Jo 1.29)

Portanto, Cristo não casou porque era um sofrimento, mas porque já tinha uma noiva prometida a ele para que ele pudesse morrer por ela e sacrificar-se em amor como um Cordeiro de Deus.

2. O casamento é retratado como um peso e um sofrimento terrível

A ideia desse mundo é que o casamento é um peso e somente aqueles que não têm juízo casam, pois este, segundo alguns, é como se a pessoa se aprisionasse ou deixasse o melhor da vida.

Infelizmente, o Pr. Cláudio Duarte dá a entender exatamente essa ideia com essas palavras. Em várias outras ocasiões foram faladas piadas com respeito ao casamento em suas pregações, como por exemplo nesse vídeo:

Deus disse a Adão: tu é (sic) feliz demais! Vai dormir que eu vou arrumar um poblema (sic) pra tu (sic)... É lógico que não é isso...

Apesar de que, nessa ocasião, ele afirma que “não é isso”, por não estar assim no texto sagrado, não deixa de trazer uma mensagem subliminar de que o casamento é um peso. Mesmo assim, a declaração sobre Jesus, acima citada, é falada sem nenhuma advertência e observação.

O casamento é retratado na Bíblia como digno de honra (Hb 13.4) e que foi valorizado por Jesus ao fazer o seu primeiro milagre exatamente nessa ocasião demonstrando o quanto era importante e motivo de alegria (Jo 2.1-11; Mt 9.15-16).

O grande problema não está no casamento, mas no ser humano e nas suas relações. Qualquer que sejam o relacionamento será penalizado pela natureza pecaminosa que herdamos. Alguns textos são citados pelo Pr. Cláudio que devem ser analisados:

Quando Paulo afirma:

E aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo (1Co 7.8)
Estás casado? Não procures separar- te. Estás livre de mulher? Não procures casamento. (1Co 7.27)

Paulo não está dizendo que ser solteiro é melhor que estar casado. O que Paulo está ensinando está no contexto de uma igreja que estava em uma cidade que tinha uma cultura totalmente impura onde mulheres e homens se adequavam à adoração aos deuses que incluíam orgias de todo tipo. 

Paulo está preocupado com casamentos mistos que trariam maior problema como ele mesmo aconselha as mulheres e homens com seus cônjuges descrentes (1Co 7.12-17) e, por isso, ordena às viúvas que queiram casar que façam isso “no Senhor” (1Co 7.39).

Portanto, Paulo não está exaltando a condição de solteiro, mas ensinando que o casamento mal feito com pessoas com um hábito e práticas pagãs da cidade de Corinto poderia ser mais problema para os irmãos e para a Igreja. O princípio não está em valorizar ser solteiro, mas escolher ficar assim se um casamento for problemático diante de cônjuges que trazem um hábito e prática pagã que afete a conduta cristã.

No entanto, em outra ocasião, Paulo exalta o casamento dando a entender que os demais irmãos e Cefas tinham o privilégio de ter uma irmã que os acompanhavam:

A minha defesa perante os que me interpelam é esta: não temos nós o direito de comer e beber? E também o de fazer-nos acompanhar de uma mulher irmã, como fazem os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas? (1Co 9.4-5). 

Nesse texto fica implícito que Paulo compensa o que os demais apóstolos e Cefas já tinham naturalmente por serem casados, pois o princípio é que “não é bom que o homem esteja só”.

Em outra passagem, Paulo ensina que o casamento deve ser recebido com ações de graças e gratidão.

que proíbem o casamento e exigem abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos, com ações de graças, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade; (1Co 4.3)

Nesse texto, Paulo adverte aqueles que se opõem ao casamento. O verbo grego κωλυω quer dizer “opor-se a alguma coisa”. Notemos que Paulo afirma que tanto os alimentos como o casamento são coisas que Deus criou para serem recebidos com ações de graças deixando claro que é uma bênção para a vida das pessoas.

Em um dos vídeos citados, o Pr. Cláudio Duarte dá a entender que existem casamentos que não são unidos por Deus, pois ele afirma que o casamento é somente “o que Deus uniu” e que por isso há muitas pessoas mal casadas. Por isso, ele demonstra, nesse caso, uma má percepção e compreensão do texto que fala claramente que “o que Deus uniu, não separe o homem” (Mt 19.6). Essa união divina é no ato do casamento e que o homem jamais tem autoridade de julgar se seu casamento vem de Deus ou não para rompê-lo, pois essa ordem ao homem de não separar-se inclui qualquer julgamento da sua parte porque é Deus que une e não o homem.

O Pr. Cláudio Duarte também faz muitos eventos em lugares que não são em igrejas como está em um site convidando:

O projeto Cláudio Duarte pelo Brasil terá início na segunda-feira (16/03) a partir das 19h no espaço Cantareira, em Niterói.  Nele, o pastor Cláudio Duarte vai ministrar para casais e família abordando assuntos polêmicos, que eventualmente, não poderiam ser pronunciados em púlpitos de muitas igrejas. O primeiro lote dos ingressos já está sendo comercializado no valor de R$ 40,00  à venda ao site www.claudioduartepelobrasil.com.br.

Eu me pergunto quais assuntos que não poderiam ser “pronunciados em púlpitos de muitas igrejas”? Afinal de contas o que não poderia ser pronunciado em uma igreja que seus membros possam ouvir em outro lugar? Afinal de contas, o lugar é mais santo que os membros da Igreja? Segundo as Escrituras, nós somos o santuário de Deus (1Co 6.19) e que quando estamos reunidos em qualquer lugar o Espírito de Deus habita entre nós (1Co 3.16). Portanto, o que não pode ser dito em uma igreja, não deveria ser dito em lugar nenhum para os membros de uma igreja.

Quero concluir dizendo que não tenho absolutamente nada contra o amado pastor nem nada contra os animadores de auditório e artistas da fé. No entanto, quis alertar a igreja de um perigo e concluir dando um conselho a todos aqueles que lerem esse texto, mesmo sabendo que serei odiado pelos idólatras de personalidades e incautos na fé:

1. Cuidado com reuniões e pregações nas igrejas que peçam um ingresso para ouvir o pregador ou pastor.
2. Cuidado com reuniões que tragam pastores que venham intitulados de “profeta de Deus” e/ou “Apóstolo” – geralmente não são sadios na fé.
3. Cuidado com pregadores que passem muito tempo sem analisar o texto lido substituindo-o por piadas, testemunhos e opiniões sobre si.