sexta-feira, 22 de novembro de 2013

MISSÃO INTEGRAL E O PROBLEMA DA SUPERVALORIZAÇÃO DO POBRE – UMA ANÁLISE BÍBLICA





A história tem demonstrado que toda heresia provém de uma distorção de algo correto ou perfeitamente aceitável na vida cristã. Às vezes, as intenções são perfeitas, começa-se com base nas Escrituras, mas por falta de um estudo mais aprofundado delas, a Igreja entra em uma distorção que pode ser prejudicial à sua vida. Por isso, a igreja precisa de pastores, mestres e doutores cujos dons foram dados por Jesus (Ef 4.7; 11).

Nesses últimos anos, tem-se falado muito em Missão Integral e o abandono da Igreja em influenciar varias áreas na sociedade. Devido a essa ênfase de congressos e livros escritos sobre o tema, muitos têm a tendência de associar Missão Integral com “idéias de esquerda”, “marxismo evangélico”, “Teologia da libertação evangélica”. Talvez, seja por causa de algumas interpretações que beiram às interpretações desses grupos e ideologias supra citados.

A Missão Integral, apesar de aparentar ser uma ideologia nova e recheada de marxismo ou liberalismo teológico, ela demonstra ser completamente bíblica e que suas reivindicações teológicas demonstram que ela, por essência, precisa ser integral, pois caso contrário, não se tem Missão da igreja, mas apenas uma caricatura do que chamam de Missão, pois é incompleta [veja o texto que escrevi sobre isso].

A Convenção Batista Nacional fez a sua “1a Consulta Nacional de Missão integral – daTeologia à prática”. Foram dias de muita reflexão, confrontos e de muita comunhão. Cada preletor demonstrava muita coerência entre a sua pregação e a sua prática. Na verdade, eu me senti como uma criancinha diante de tantos gigantes anônimos da CBN; pastores que se podia perceber Cristo em suas vidas, que viviam Cristo e que estão cumprindo a Missão da Igreja na plena expressão do seu significado.

No entanto, precisa-se pensar que a Missão da Igreja não se baseia somente em projetos Eclesiásticos ou paraeclesiásticos, mas na vivência da vida na sociedade influenciando em todas as áreas, já que a Missão foi dada à Igreja na sua individualidade. Seja na política, na universidade, na família, ou em qualquer área, a mensagem do Evangelho deve vir acompanhada de prática.

A 1a Consulta da CBN foi muito feliz em colocar como tema “da Teologia à prática”. É importante que a nossa prax seja baseada na nossa doxa. Ou seja, precisamos ter ortopraxia com base na nossa ortodoxia. A Teologia precisa ser o alicerce onde construímos a nossa prax. Por isso, precisamos analisar com coerência as Escrituras para que não caiamos nos erros dos liberais e católicos da Teologia da Libertação que fazem, de fato, porém, sem significado nenhum, pois essas obras se tornam um fim em si mesmo, transformando-se todo esforço em fumaça.

Um dos grandes perigos à visão da Missão Integral é a supervalorização dos pobres. Os que defendem essa ideia usam, principalmente, textos dos Evangelhos onde Jesus ensina e fala em advertência aos ricos ou ensinamentos aos pobres.

Pretendo analisar exegeticamente 3 textos, que, se não houver uma hermenêutica correta, ter-se-á a tendência de concluir que Jesus deu preferência aos pobres e que estes tinham um certo privilégio diante de Deus, afirmando, com isso, que a salvação de pessoas ricas e cultas é um grande milagre contingente, mas os pobres não é tanto um milagre, é algo natural que está na essência deles.

No entanto, o que as Escrituras afirmam sobre o pobre e o rico é exatamente isso? Será que Jesus deu preferência mais a pobres do que a ricos? Jesus somente deu “ais” aos ricos? Pretendo responder analisando exegeticamente 3 textos que foram citados na Consulta e analisá-lo de uma forma mais exegética.

1. Análise de Lucas 6.24,25

Lucas 6:24-25  24 Mas ai de vós, os ricos! Porque tendes a vossa consolação.  25 Ai de vós, os que estais agora fartos! Porque vireis a ter fome. Ai de vós, os que agora rides! Porque haveis de lamentar e chorar.

Uma regra Básica de Hermenêutica é analisar cada texto e cada sentença segundo o seu contexto imediato, do livro, de toda a Bíblia, e, muitas vezes, o contexto histórico. Para que se entenda a advertência contundente de Jesus aos ricos, precisa-se entender o contexto que os judeus entendiam essa expressão.

Havia em Israel uma classe social que os judeus chamavam de Am-ha-arez. Essa classe era constituída de pessoas bem pobres e a maioria habitava na região da Galileia, incluindo Cafarnaum, Corazim e Betsaida. A palavra Am-ha-arez quer dizer “o povo da terra”, mas depois de muito tempo significava uma grande variedade de grupos misturados na Palestina. Eram grupos e etnias que passaram a habitar na Palestina no Período do exílio da Babilônia. Esses povos se misturaram com os camponeses pobres. Dentre esses estavam samaritanos, arameus, filisteus e até mesopotâmicos. Os judeus, portanto, tinham grande desprezo por essas pessoas, principalmente por samaritanos.

Por causa disso, os judeus de outros lugares tinham desprezo por essas regiões e por essas pessoas. Havia no Talmude uma expressão do rabino Hillel que dizia: “não têm consciência e podem ser tudo, menos humanos”. Outro rabino chamado Jonathan “esperava que cada um desses miseráveis fossem cortados em dois como um peixe”. Ainda afirmou: “um judeu não deve casar-se com a filha de um Am-ha-erez, pois o livro sagrado de Deuteronômio dizia no capítulo vinte e sete: “maldito aquele que se ajuntar com animal”. [Para ver melhor sobre isso, DANIEL-ROPS, Henri. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova, 1988, p. 102.]

Para agravar mais a situação, havia uma má compreensão dos judeus de Dt  28.15-17

Deuteronômio 28:15-17  15 Será, porém, que, se não deres ouvidos à voz do SENHOR, teu Deus, não cuidando em cumprir todos os seus mandamentos e os seus estatutos que, hoje, te ordeno, então, virão todas estas maldições sobre ti e te alcançarão:  16 Maldito serás tu na cidade e maldito serás no campo.  17 Maldito o teu cesto e a tua amassadeira.

Para um judeu, alguém era pobre por que as maldições de Dt 28 estavam sobre essa pessoa e os ricos eram considerados abençoados, pois as bênçãos de Dt 28 estavam sobre eles.

Deuteronômio 28:3-6  3 Bendito serás tu na cidade e bendito serás no campo.  4 Bendito o fruto do teu ventre, e o fruto da tua terra, e o fruto dos teus animais, e as crias das tuas vacas e das tuas ovelhas.  5 Bendito o teu cesto e a tua amassadeira.  6 Bendito serás ao entrares e bendito, ao saíres.

No entanto, eles entenderam errado o texto, pois o texto queria demonstrar que essas bênçãos eram inatingíveis sem a graça de Deus, pois havia um mandamento que comprometia todos os demais:

Deuteronômio 28:58-59  58 Se não tiveres cuidado de guardar todas as palavras desta lei, escritas neste livro, para temeres este nome glorioso e terrível, o SENHOR, teu Deus,  59 então, o SENHOR fará terríveis as tuas pragas e as pragas de tua descendência, grandes e duradouras pragas, e enfermidades graves e duradouras;

Esse mandamento demonstrava que uma simples transgressão trazia todas as maldições sobre eles e que somente a expiação, Cristo, preparada antes da fundação do mundo poderia satisfazer a justiça de Deus. Nesse caso, todos estavam debaixo das maldições da Lei. Tantos ricos como pobres precisavam da graça, pois o texto não ensina que as riquezas viriam pela obediência, pois todos transgridem a Lei de Deus.

A razão da admiração dos discípulos quando Jesus afirmou que era impossível um rico entrar no Reino dos céus se devia exatamente a isso. Eles não entenderam o que Jesus afirmou que aqueles que poderiam ter a vida eterna, na mentalidade judaica, se colocavam numa situação de total impossibilidade e que somente Deus poderia fazer algo.

Mateus 19:24-26  24 E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.  25 Ouvindo isto, os discípulos ficaram grandemente maravilhados e disseram: Sendo assim, quem pode ser salvo?  26 Jesus, fitando neles o olhar, disse-lhes: Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível.

Portanto, os judeus acreditavam que os pobres eram malditos e dificilmente poderiam ganhar a vida eterna. Por outro lado, quem fosse rico, já tinha a vida eterna como garantia. Jesus estava exatamente indo contra essa ideia que o levou a falar vários “ais” a eles. A expressão rico, aqui, portanto, demonstrava pelo contexto geral alguém autosuficiente que se achava salvo pelas suas condições e cumpridores da Lei.

Porém, Jesus falou “ais” para pobres também. Talvez, mais contundentes que os que ele falou aos ricos:

Mateus 11:20-24  20 Passou, então, Jesus a increpar as cidades nas quais ele operara numerosos milagres, pelo fato de não se terem arrependido:  21 Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza.  22 E, contudo, vos digo: no Dia do Juízo, haverá menos rigor para Tiro e Sidom do que para vós outras.  23 Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até ao céu? Descerás até ao inferno; porque, se em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje.  24 Digo-vos, porém, que menos rigor haverá, no Dia do Juízo, para com a terra de Sodoma do que para contigo.

As cidades de Corazim, Betsaida e Cafarnaum eram cidades habitadas pelos Am-ha-erez; pessoas paupérrimas e totalmente desprezadas na sociedade. No entanto, Jesus increpou sobre eles “ais” contundentes demonstrando claramente que ele jamais deu privilégios a pobres. Quando ele falou “ais” aos ricos, ele percebe que a semântica da palavra tinha a ver com autossuficiência diante dos judeus que se consideravam abençoados por Deus e com garantia da salvação. Portanto, jamais se pode interpretar esses “ais” a ricos no sentido de finanças, mas a todos aqueles que se sentem seguros por seus próprios méritos e não são “pobres de espíritos” como afirma Mateus no sermão de Jesus (Mt 5.3).

2. Análise de Lucas 4.18

Lucas 4:18  18 O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos,

Aconteceu algo interessante nessa passagem. Jesus estava lendo o texto de Is 61.1 em hebraico, pois para a leitura da Lei, usava-se o hebraico com um interprete em aramaico ao lado. No entanto, Lucas usa a passagem da LXX (tradução do hebraico para o grego). Isso tem um significado bem interessante. Lucas entendeu que a passagem traduzida da LXX interpretava muito bem o texto em hebraico.

Isso quer dizer que os rabinos, escribas da LXX e Lucas reconheceram que a palavra πτωχος ptöchos – pobre traduziria muito bem o adjetivo hebraico ענו ‘anav que quer dizer “manso”, “humilde”. Dentro da cosmovisão da época, os ricos eram autossuficientes de salvação por se acharem dentro já das bênçãos da Lei mosaica. No entanto, Lucas faz questão de colocar o texto da LXX para demonstrar que Jesus veio buscar pessoas com uma motivação contrária do que eles se achavam – quebrantados e mansos.

Da mesma forma com a palavra τυφλοι “cegos”. Não há essa palavra no texto hebraico, mas os rabinos da LXX e Lucas entenderam que ela queria dizer muito bem para a época quando substituía a expressão שבוים “cativos” (verbo hebraico no particípio), pois eram como cegos espirituais.

Mediante isso, o texto não nos dá autorização para interpretá-lo de forma literal as palavra “pobres” e “cegos”, pois elas vêm substituindo as palavras “quebrantados” e “cativos”. Todas essas têm profundo significado espiritual. No próprio texto dá para se notar que o sentido que Jesus quer demonstrar é espiritual pelas expressões alternadas “libertação aos cativos” e “liberdade aos oprimidos”. Todas essas expressões demonstram ser no sentido espiritual e não literal. William Hendriksen, em análise dessa passagem de Lucas, afirma:

"O orador em Isaías estava pensando nos desamparados, naqueles que tinham consciência dessa condição. Isaías 66.2 fornece um bom comentário: 'o homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito e que treme da minha palavra'". [HENDRIKSEN, William. Comentários do Novo Testamento – Lucas Vol. 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p.343.]

Portanto, quando Jesus cita o texto do profeta Isaías, ele quer demonstrar que ele foi ungido para proclamar aos quebrantados, mansos, que os rabinos da LXX chamavam de pobres. Lucas usou a mesma palavra para falar sobre os humildes e quebrantados de coração, pois os pobres esperavam somente na vinda do Messias que viria e restauraria todas as coisas, indo contra a ideologia dos religiosos e judeus da época.

Se esse texto dissesse conforme alguns interpretam, haveria profunda contradição quando os evangelistas enfatizam Jesus evangelizando Nicodemos, Zaqueu, o Jovem Rico, o centurião romano (pois ele tinha escravos). Esses homens eram profundamente ricos para a época. Enfim, Jesus gastou tempo evangelizando tanto ricos como pobres. Portanto, qualquer interpretação que privilegie pobres na evangelização e salvação é digna de que seja revista e que seja abandonada.

3. Análise de Marcos 10.25-27

Mark 10:25-27  25 É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.  26 Eles ficaram sobremodo maravilhados, dizendo entre si: Então, quem pode ser salvo?  27 Jesus, porém, fitando neles o olhar, disse: Para os homens é impossível; contudo, não para Deus, porque para Deus tudo é possível.

Essas palavras estão no contexto do diálogo entre Jesus e um jovem rico que o abordou perguntando o que faria para herdar a vida eterna. Notemos que a pergunta deste jovem era apenas retórica, pois era judeu, cumpridor da lei (aos seus olhos) e rico. Para ele, não faltava absolutamente nada.

Jesus, então, começa a desconstruir, primeiramente o conceito que ele tinha de Deus, depois, de si mesmo e da Lei. Jesus queria demonstrar aos seus discípulos que o homem mais honesto que possa ser e rico precisava de um milagre para ser salvo. Jesus jamais está privilegiando os pobres nesse texto, mas enfatizando diante da cosmovisão errada que tinham acerca dos ricos, que a salvação é um milagre.

O próprio Jesus também demonstrou profunda dificuldade para com judeus pobres que o seguiam, pois ele afirmou a esses judeus que tinham fome e que o seguiam simplesmente por causa da multiplicação dos pães (Jo 6.34):

John 6:42-44  42 E diziam: Não é este Jesus, o filho de José? Acaso, não lhe conhecemos o pai e a mãe? Como, pois, agora diz: Desci do céu?  43 Respondeu-lhes Jesus: Não murmureis entre vós.  44 Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.

Notemos que eram judeus da Galileia, pois eles afirmam que eles conheciam os pais de Jesus. No entanto, Jesus demonstra profunda impossibilidade na salvação vinda deles mesmos, exceto, se o Pai os trouxesse. João usa um verbo grego muito forte ἑλκύω / helkuö que quer dizer “agarrar, puxar”. O Pai precisa trazer na força de sua soberania para que aqueles que eram pobres fossem salvos. Ou seja, era impossível para eles, mas completamente possível para Deus. Portanto, todos precisam de um milagre de Deus para serem salvos.

4. O cristão e os pobres

Precisamos ver os pobres e suas necessidades como um dos aspectos da obediência do amor ao próximo e não como um fim em si mesmo na Missão da Igreja de Cristo. Por exemplo, a igreja não pode ver somente a necessidade de pessoas pobres nas favelas, mas as necessidades de jovens e professores nas universidades que precisam da luz do Evangelho também, de artistas, políticos e atletas que precisam de um Evangelho contextualizado e inteligente.

Outra distorção e perigo daqueles que aderem à Missão Integral é achar que o estudo e a inteligência são incompatíveis no Reino de Deus. O apóstolo Paulo, dizem, é apenas uma exceção. Será? Novamente, esses que afirmam isso erram por problemas exatamente nos estudos. A maioria dos escritores do NT era erudito e com grande conhecimento do VT, hebraico, grego e do contexto da sua época. Tem-se Lucas, que era médico e um historiador, pois buscou fontes históricas e escreveu com um grego de alta erudição; tem-se Mateus, um publicano com conhecimento profundo do VT e do grego; Marcos; João, apesar de ser um pescador, era um profundo conhecedor do grego, traduzindo termos hebraicos do seu Evangelho para o grego; tem-se Paulo que dispensa qualquer comentário pela sua erudição em várias áreas; o autor aos Hebreus, um profundo conhecedor da Lei de Moisés, do grego e da literatura. Portanto, Deus usou homens com profundo conhecimento e erudição. Paulo não foi uma exceção.

Alguns usam a passagem que Jesus afirma:

Lucas 10:21  21 Naquela hora, exultou Jesus no Espírito Santo e exclamou: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado.

Quem eram os Sábios e instruídos que Jesus estava falando? Claro que falava dos escribas, fariseus e saduceus que eram instruídos na Lei, mas desprezavam completamente as palavras de Jesus. Jamais Jesus quis falar do conhecimento no sentido geral, da reflexão ou da necessidade de mais estudo.

Se o estudo fosse incompatível ao Reino de Deus, seria um absurdo Jesus dar à Igreja os Mestres. Paulo ensina que o presbítero precisa ser apto para ensinar (1Tm 3.2). A palavra grega διδακτικος / didaktikos significa habilidade ao ensinar e isso só se obtém com estudo e inteligência. Portanto, aos que ensinam que a Missão integral abrange somente os que não são inteligentes e sábios, devem estudar mais.

Os pobres devem ser vistos pela igreja da mesma forma que os universitários, os artistas, os jogadores, músicos etc. Muitos destes, muitas vezes, são ricos que precisarão de um evangelho contextualizado e de projetos que os alcancem. Assim como a Missão é tanto em Jerusalém, Judéia, Samaria até os confins da Terra, devemos pensar em todas as classes para que sejam alcançadas pela igreja.

 O apóstolo Paulo tinha essa visão:

Gálatas 2:9-10  9 e, quando conheceram a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, que eram reputados colunas, me estenderam, a mim e a Barnabé, a destra de comunhão, a fim de que nós fôssemos para os gentios, e eles, para a circuncisão;  10 recomendando-nos somente que nos lembrássemos dos pobres, o que também me esforcei por fazer. [grifo meu]

Esse texto demonstra que a evangelização aos pobres não pode ser um fim em si mesmo ou única na Missão da Igreja. Paulo afirma que ele se esforçou, foi diligente para lembrar dos pobres. O verbo grego σπουδαζω / spoudazö significa “ser diligente”, “procurar fazer algo”. Isso significa que se Paulo se esforçou para fazer é porque ele tinha juntamente outros objetivos que até poderiam fazê-lo esquecer dos pobres.

Portanto, os pobres em si jamais podem ser a prioridade da igreja, mas, sim, todos os que precisam da luz de Cristo, sejam pobres, sejam ricos, sejam sábios, sejam ignorantes como Paulo afirmou:

Romanos 1:14  14 Pois sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes;

Paulo se sentia devedor de todas as pessoas e não somente de um grupo. Por isso, precisamos incluir todas as pessoas de todas as classes em suas necessidades. Devemos lembrar que o homem moribundo que o Bom Samaritano ajudou era um judeu, e se ele vinha de Jerusalém e foi roubado era por que ele tinha dinheiro (Lc 10.30). Portanto, não estava na classe dos Am-ha-erez, ou dos pobres.


Portanto, assim como se deve ver o homem no seu todo, precisa-se ver o homem em todas as suas classes, não preterindo nenhuma, pois o Evangelho é integral e a sua Missão também.

O EVANGELHO DA MISSÃO INTEGRAL VERSUS O EVANGELHO DA PROSPERIDADE





A grande incógnita em nossos dias é saber qual é exatamente a missão da Igreja. Isso se deve a dois fatores. Primeiro, devido à total crise de identidade que o evangelicalismo sofre em nossos dias em não saber onde está a linha ou o critério para se dizer que uma igreja é genuinamente cristã ou evangélica. Segundo, devido ao recrudescimento da chamada Teologia da Prosperidade que tem desviado a Igreja do verdadeiro significado da sua Missão.
O próprio nome “Missão Integral” demonstra a tentativa da igreja enfatizar um aspecto da Missão que, para esses, fora preterida. Ou seja, a Igreja sentiu a necessidade de que o adjetivo “Integral” fosse acrescentado à palavra “Missão” para que se entendesse que a ideia de “Missão” estava ainda incompleta. No entanto, as palavras “Missão Integral” não passam de uma tautologia, pois não existe “Missão” que não seja “Integral”. Ou se faz a “Missão”, que é Integral, ou não a faz. Portanto, a palavra Missão deveria ter já em sua semântica o significado de integralidade sem nenhum acréscimo de adjetivo.
No século XVI, quando a Reforma Protestante surgiu, os reformadores tinham a missão da igreja de uma forma clara. A Confissão de Fé de Westminster foi o documento que se pode conhecer sobre o que os reformadores pensavam na época sobre Missões. Assim está escrito:

Em seu amor infinito e perfeito – e tendo provido no pacto da graça, pela mediação e sacrifício do Senhor Jesus Cristo, um caminho de vida e salvação suficiente e adaptado a toda raça humana decaída como está – Deus determinou que a todos os homens esta salvação de graça seja anunciada no Evangelho. (Ref. 1Tm 4.10; Mc 16.15) (Confissão de Fé de Westminster, capítulo XXXV, que trata do Amor de Deus e das Missões)

A Confissão demonstra que os reformadores tinham uma mente formada do que seria a Missão da Igreja, pois foi prescrita em uma confissão. Para eles, a missão se baseava em levar “um caminho de vida e salvação... a toda raça humana”. Não que eles estivessem esquecendo os problemas sociais, mas que a salvação de Deus quando atingisse o homem decaído, amenizaria e traria às consciências a justiça social e mudanças em todas as áreas políticas.
João Calvino tinha uma visão semelhante. Ele afirma em suas Institutas:

Nosso Senhor Jesus Cristo foi feito um como nós, e sofreu a morte para que pudesse tornar-se um advogado e mediador entre Deus e nós, e abrir um caminho pelo qual possamos chegar a Deus. Aqueles que não se empenham em trazer seu próximo e descrente ao caminho da salvação, mostram abertamente que não têm em conta a honra de Deus, e que tentam diminuir o imenso poder de seu império e estabelecem limites para que ele não possa governar todo o mundo, de igual modo obscurecem a virtude e morte do nosso Senhor Jesus Cristo e diminuem a dignidade dada a ele pelo Pai.[1]


Nota-se que Calvino tinha a visão de que, pelo Evangelho e conversão, Deus governaria em todas as áreas, ou seja, “todo o mundo”, como ele escreveu. Para Calvino e os reformadores, a Missão começava com a salvação de Cristo que incluía uma postura espiritual de arrependimento diante de Deus. A partir daí, as áreas seriam influenciadas pelo Evangelho, incluindo os pobres, necessitados, justiça social, educação, artes, etc. A demonstração prática disso é que as cidades em que mais desenvolveu o protestantismo no mundo se tornaram as mais desenvolvidas. Entre elas estão: Suíça, Escócia, Inglaterra, África do Sul e USA. Além de ter, como fundadores, as melhores universidades do mundo de onde mais teve prêmio Nobel. Dentre elas, estão Havard, Yale, Princeton, Universidade Livre de Amsterdam, Oxford e Cambridge. Todas elas foram fundadas ou sofreram forte influência de puritanos. Os reformadores e puritanos tinham uma visão holística, entendendo que a salvação alcança o homem no todo na sociedade. Eles não falavam e enfatizavam a ação social e política porque entendiam que já estava inserida na Missão.
Isso demonstra que a igreja e os reformados da época tinham a ideia de Missões como um todo monolítico começando com a salvação em Cristo Jesus atingindo toda a sociedade como Jesus ensinou sobre o sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13-16).

 O PERIGO DA POLARIZAÇÃO NA DICOTOMIA ENTRE O PROFANO E O SAGRADO

Toda polarização traz perigos e conseqüências. Mesmo que seja em nome de uma causa nobre e verdadeira, a polarização de um seguimento ou de uma ideologia pode levar a conseqüências gravíssimas.
Houve várias tendências que levaram à polarização da Missão da igreja. Uma delas é a dicotomia que a igreja fez entre o sagrado e o profano (mundano). O conceito de sagrado para a igreja era somente o que tivesse conotação de protestantismo, mesmo que não tivesse aparente base bíblica. Essas igrejas conceituaram “mundanismo” como aquelas tendências que estivessem fora do escopo protestante e, por isso, eram, por si mesmo, pecado e erro. Jogar futebol; participar de teatro, de programas de TV; músicas populares; ir a cinemas, a exposições, ou a outros lugares por muito tempo foram pecado e mundanismo. Essa influência veio de grupos protestantes incautos e que não tinham base, nem fundamentos teológicos ou roformados. Com isso, a igreja achava que cumprir a Missão seria apenas pregar o Evangelho, se possível, com roupa apropriada que os Norte-americanos trouxeram como palitós, gravatas ou outros acessórios convencionados por líderes de igrejas, não importando como a sociedade local estaria. A política, as artes, o esporte ficaram por conta da sociedade “profana e mundana” e aqueles que fossem crentes não deveriam ousar entrar nesses âmbitos. A Missão tinha apenas uma conotação polarizada de pregação e aceitação do evangelho sem levar em conta a influência na sociedade.

Se a política, as artes e as universidades que influenciam toda uma sociedade estavam sem a luz e o sal, como esperar que essa sociedade pudesse influenciar e tratar dos mais pobres, viciados ou daqueles que estão à margem da sociedade? Por isso, a Igreja teve a tendência de polarizar achando que a Missão incluía apenas a pregação sem nenhum compromisso em influenciar a sociedade que lhes cercava.
Hoje, essa polarização tem outra nomenclatura chamada de “Gospel”. Tudo que for “Gospel” é licito, mesmo que seja uma boate, fotos sensuais, quaisquer que sejam a prática, sendo “Gospel” é espiritual. Com isso, os protestantes passam a fazer uma dicotomia como no passado, só que agora vem com uma outra nomenclatura. No passado, era “coisas do mundo”; hoje, “coisas que não são ‘Gospel’”. Por causa disso, deixam de influenciar na sociedade em várias áreas trazendo princípios de Deus ou entendendo que sociedade precisa de luz que são os princípios de Deus em todas as áreas em um país que se faz Missão. Portanto, a ideia de Missões se torna mais forte e desafiadora.

O PERIGO DE ELIMINAR A ESPIRITUALIDADE DA MISSÃO

Dos perigos que rondam a Missão, esse é o pior, pois torna-a completamente uma caricatura. O perigo é exatamente de eliminar a espiritualidade da Missão, tornando simplesmente uma causa social. Essa vertente começou com Teólogos liberais que não criam em milagres e baseavam-se, para interpretar o VT, na teoria das fontes. Isso implicava dizer que a doutrina da queda, da criação foram colocadas como mitos e descartáveis. Por causa disso, para alguns, Jesus Cristo veio apenas trazer um exemplo de como buscar os pobres e, por isso, essa era a salvação que os libertava. A Igreja Católica foi fortemente influenciada por essas idéias chamando essa teologia de Teologia da Libertação. Esse termo foi colocado pelo padre peruano Gustavo Gutiérres. No Brasil, seu principal representante foi o padre Leonardo Boff que escreveu vários livros demonstrando essa ideologia.
Quando se tira a espiritualidade da Missão, canalizando-a somente para a libertação simplesmente sociológica, elimina-se as bases dela, pois a causa do caos social e político é exatamente o afastamento do homem de Deus. Além disso, tira-se a possibilidade das bases éticas para qualquer ação, já que a salvação de Deus inclui a restauração não somente dos corpos, mas de toda a natureza.
Outro aspecto dessa visão é que o Evangelho se reduz apenas a pessoas e lugares pobres, pois ele seria totalmente desnecessário a lugares que quase não existe pobreza. Nesse caso, o Evangelho se tornaria apenas circunstancional e não universal e necessário. O problema do homem é o seu coração, pois é dele que procedem mortes, cobiça, corrupção e toda sorte de coisas ruins para a sociedade (Mc 7.20-23). A razão maior da Missão não é mudar a sociedade começando pela conseqüência, mas buscar, primeiramente, a raiz do problema, pois o que veio primeiro foi o pecado Adâmico. Depois, veio a maldição como conseqüência espiritual e social. Precisa-se pensar que se deve tratar da maldição por causa do pecado que é solucionada em Cristo, buscando concomitantemente ser uma influência na sociedade sofrida por essa conseqüência.
Portanto, essa polarização é terrivelmente prejudicial ao escopo bíblico da Missão.

A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE E MISSÃO

Um dos aspectos que mais influenciou para um outro extremo foi a chamada Teologia da Prosperidade. Segundo essa Teologia, Deus em Cristo nos salva do pecado, da miséria, da pobreza, das doenças e de qualquer problema que foge de nosso domínio. Essa teologia começou nos USA e influenciou o mundo com seus versos tirados do contexto e o seu forte apelo ao prazer egocêntrico dos seus ouvintes.
A Teologia da Prosperidade levou a Igreja a preocupar-se somente com o ter e não com o ser e o servir. Os pobres, mal sucedidos, moradores de favelas são frutos de maldição que têm que livra-se dela “aceitando a Jesus como Senhor e Salvador” e abrindo mão de seus bens em ofertas a igrejas dessa natureza.
Por causa disso, a Igreja perdeu a ideia de Missão, pois ela estava se preocupando apenas com os números de membros, e esses, ricos; preocupando-se se os membros ainda estavam usando bicicletas ou se tinham trocado para carros; ou até se estavam crescendo financeiramente em alguma área ou trocando de bens. A Missão se restringia apenas ao espiritual, sendo comprovado pela obtenção de bens, pois diziam que Jesus levou as dores e a pobreza também.
A conseqüência disso é a total insensibilidade para com os necessitados, os pobres, e o julgamento temerário daqueles que não têm ascensão social como alguns. Outra conseqüência disso é a total insensibilidade para com as exigências da Missão. Muitas vezes, a Missão cristã exige desprendimento de bens, fama, até da vida, pois existem lugares com difícil penetração do Evangelho. A Teologia da Prosperidade anula essa sensibilidade de renúncia, desprendimento e entrega pelo outro por amor a Cristo.
Na verdade, a Missão nessas igrejas é somente local, com apelos materialistas de prosperidade. Por causa disso, outras tendências vieram para enfatizar a ação social como resposta a essa Teologia indo para um outro extremo. No entanto, quando se enfatiza mais a ação social deixando de lado a raiz de toda problemática social, entra-se em outro extremo, pois a razão dos problemas sociais é por que o homem se afastou de Deus e, por isso, houve conseqüências graves em todas as dimensões sociais.
Portanto, a Missão deve começar na salvação a fim de que influencie todas as áreas, buscando mudar a situação sócio-cultural que está deitada nas mãos do diabo, pois “o mundo jaz no maligno” (1Jo 5.19).

A BASE BÍBLICA PARA QUE A VISÃO DA MISSÃO SEJA INTEGRAL

1. Deus fala na Lei de Moisés sobre o cuidado com os pobres

No VT, várias passagens demonstram que a salvação de Deus incluía todas as áreas sócias. Deus não estava interessado em uma religião insólita e cíclica, mas em uma religião que afetasse todas as áreas.

Êxodo 23:10-11  10 Seis anos semearás a tua terra e recolherás os seus frutos;  11 porém, no sétimo ano, a deixarás descansar e não a cultivarás, para que os pobres do teu povo achem o que comer, e do sobejo comam os animais do campo. Assim farás com a tua vinha e com o teu olival.

Deus ordenou que o povo pensasse nos pobres e que deixassem no sétimo ano a terra sem cultivá-la para que os pobres pudessem colher e comer. Da mesma forma ele adverte ainda:

Deuteronômio 15:11-14  11 Pois nunca deixará de haver pobres na terra; por isso, eu te ordeno: livremente, abrirás a mão para o teu irmão, para o necessitado, para o pobre na tua terra.  12 Quando um de teus irmãos, hebreu ou hebréia, te for vendido, seis anos servir-te-á, mas, no sétimo, o despedirás forro.  13 E, quando de ti o despedires forro, não o deixarás ir vazio.  14 Liberalmente, lhe fornecerás do teu rebanho, da tua eira e do teu lagar; daquilo com que o SENHOR, teu Deus, te houver abençoado, lhe darás.

Nesse texto, Deus deixa claro que os pobres sempre estarão na terra e que o povo, por causa disso, teria que abrir a mão para o necessitado e para o pobre na terra. Deus demonstra que a religião deveria vir de uma profunda preocupação com as ações sociais. Quando se fala no pobre, deve-se entender de uma forma metonímica que quer dizer toda conjuntura social que os pode beneficiar como uma boa política, projetos sociais, envolvimentos sociais e uma postura justa na sociedade.

2. Deus adverte nos Salmos e nos profetas sobre as injustiças sociais e sobre o cuidado com as viúvas

Salmos 10:12-18  12 Levanta-te, SENHOR! Ó Deus, ergue a mão! Não te esqueças dos pobres.  13 Por que razão despreza o ímpio a Deus, dizendo no seu íntimo que Deus não se importa?  14 Tu, porém, o tens visto, porque atentas aos trabalhos e à dor, para que os possas tomar em tuas mãos. A ti se entrega o desamparado; tu tens sido o defensor do órfão.  15 Quebranta o braço do perverso e do malvado; esquadrinha-lhes a maldade, até nada mais achares.  16 O SENHOR é rei eterno: da sua terra somem-se as nações.  17 Tens ouvido, SENHOR, o desejo dos humildes; tu lhes fortalecerás o coração e lhes acudirás,  18 para fazeres justiça ao órfão e ao oprimido, a fim de que o homem, que é da terra, já não infunda terror.

Salmos 82:1-4  Salmo de Asafe. Deus assiste na congregação divina; no meio dos deuses, estabelece o seu julgamento.  2 Até quando julgareis injustamente e tomareis partido pela causa dos ímpios?  3 Fazei justiça ao fraco e ao órfão, procedei retamente para com o aflito e o desamparado.  4 Socorrei o fraco e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios.

Tanto o Salmos 10 como o 82 demonstram que Deus levou o seu povo a preocupar-se com a justiça social, com os pobres, com os órfãos e com os fracos. No Sl 10 Deus repreende aqueles que falavam que Ele não se importava com os pobres. Os salmistas demonstram, então, que Deus levava seu povo a ter uma visão social abrangente.

Isaías 10:1-2  Ai dos que decretam leis injustas, dos que escrevem leis de opressão,  2 para negarem justiça aos pobres, para arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo, a fim de despojarem as viúvas e roubarem os órfãos!

Nesse texto, Deus adverte através do profeta Isaías que povo levasse em conta a justiça social e o cuidado de oprimir os pobres, viúvas e órfãos. Da mesma forma, o profeta Jeremias afirma:

Jeremias 5:27-29  27 Como a gaiola cheia de pássaros, são as suas casas cheias de fraude; por isso, se tornaram poderosos e enriqueceram.  28 Engordam, tornam-se nédios e ultrapassam até os feitos dos malignos; não defendem a causa, a causa dos órfãos, para que prospere; nem julgam o direito dos necessitados.  29 Não castigaria eu estas coisas? -- diz o SENHOR; não me vingaria eu de nação como esta?

Nesse texto do profeta Jeremias, Deus repreende o seu povo por causa das fraudes, por não defenderem a causa dos órfãos e nem a dos necessitados. Isso demonstra que a adoração inclui uma visão global na sociedade, influenciando e buscando a justiça social. Isso demonstra que quando se pensa em Missões, deve-se pensar em justiça social, influência em todas as áreas e a preocupação com os mais necessitados sem deixar de começar pela raiz do problema que é a separação do homem para com o seu Criador.



Por isso, Deus sempre falava através dos profetas que eles deveriam levar em conta a injustiça como se pode ver no profeta Oseias:

Oseias 6:7-8  7 Mas eles transgrediram a aliança, como Adão; eles se portaram aleivosamente contra mim.  8 Gileade é a cidade dos que praticam a injustiça, manchada de sangue.

Nesse texto, Deus adverte seu povo que eles eram como a cidade daqueles que praticam a injustiça. Deus sempre tem uma visão do todo social, pois a injustiça incluía as manifestações na sociedade que o povo não estava atentando nem influenciando para tal. Por isso, Deus fala do seu juízo através do profeta Amos:

Amós 5:11-12  11 Portanto, visto que pisais o pobre e dele exigis tributo de trigo, não habitareis nas casas de pedras lavradas que tendes edificado; nem bebereis do vinho das vides desejáveis que tendes plantado.  12 Porque sei serem muitas as vossas transgressões e graves os vossos pecados; afligis o justo, tomais suborno e rejeitais os necessitados na porta.

Nesse texto, Deus adverte que a causa de seu juízo é exatamente por que o povo desprezava os pobres e afligiam o justo, como também por causa do suborno. Por isso, Deus adverte ao povo por causa da sua total insensibilidade dos problemas sociais.


3. A visão da Missão no Novo Testamento

Jesus ordena os seus discípulos na sua ordenança missiológica que eles ensinassem a guardar o que ele tinha ensinado:

Mateus 28:19, 20  19 Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;  20 ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.

Jesus ordena seus discípulos a fazer discípulos dele e que, como conseqüência disso, eles deveriam ensinar a guardar todas as coisas que ele tinha ordenado.
Os apóstolos eram conscientes dos ensinamentos do Mestre Jesus e Senhor do Evangelho. As pregações de Jesus e as Parábolas demonstravam a preocupação com os pobres e necessitados. Por exemplo, no Sermão do Monte e em seus outros ensinos, Jesus declara:

Mateus 5:42  42 Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes.
Lucas 12:33  33 Vendei os vossos bens e dai esmola; fazei para vós outros bolsas que não desgastem, tesouro inextinguível nos céus, onde não chega o ladrão, nem a traça consome,

Nesses trechos, Jesus ordena a dar esmola, dividir vendendo o que tem. Jesus estava ensinando que o Evangelho incluía uma profunda preocupação com os pobres e a sua justiça (Mt 5.6; 6.33). Portanto, Jesus ensina que a Missão tem que ter uma visão completa com a justiça social. O amor ao próximo incluía uma preocupação com os excluídos da época, incluindo samaritanos e publicanos. Por isso, ele ensinou na Parábola do Bom Samaritano que o próximo daquele judeu que estava à morte e doente era exatamente um samaritano que eles tanto discriminavam (Lc 10.29-37). Jesus demonstra que a religião sem uma praticidade em amor era apenas uma fachada como o levita e o sacerdote que passaram de largo.
Tiago ampliou essa visão do Senhor Jesus quando escreveu:

Tiago 1:27  27 A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo.

Tiago ensina à igreja, composta pela maioria de judeus, que uma fé que não é acompanhada das obras é morta. Depois, ele dá vários exemplos, como deixar de tratar com acepção as pessoas (Tg 2.1-4), o uso adequado da língua (3.1-12), o cuidado de contendas por causa da inveja (Tg 4.1,2) e a visita aos órfãos e às viúvas nas suas tribulações. Tiago demonstra bem claro que a vida cristã precisa ter a visão dos necessitados como resultado da fé cristã. Ele afirma ainda:

Tiago 2:15-17  15 Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano,  16 e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?  17 Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta.

Portanto, se a fé cristã para Jesus e para os apóstolos incluía a ação social, fica claro que a Missão tem que ter essa visão, pois levaremos é o que ele e os apóstolos ensinaram. Não precisa enfatizar nada a não ser cumprir a Missão de uma forma bíblica.

CONCLUSÃO:

O Evangelho é um só. Fora de qualquer configuração correta do Evangelho, tem-se outro e não o que Jesus ensinou (Gl 1.8,9). Ou se prega o Evangelho, e este completo, ou não é o Evangelho. Da mesma forma a Missão. Ou se tem a Missão, e essa completa levando em conta o todo social, ou tem-se apenas uma caricatura de Missão, ou seja, não é Missão.
Não se precisa de mais adjetivos ou mais designações à palavra Missões, mas, sim, de fazer o que a Escritura ensina: uma visão global, pregando um Evangelho global tentando alcançar o homem de uma forma global.





[1] FORBE, J. The Mystery Godlines and Other Sermons. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publish House, 1950, p.199.