terça-feira, 14 de dezembro de 2010

É ERRADO FALAR A PALAVRA SHEKINAH? UMA ANÁLISE DA PALAVRA E O SEU USO SEGUNDO AS ESCRITURAS







Durante os últimos anos, vários problemas doutrinários têm aparecido diante dos ministérios que têm como bandeira o louvor. Além de vários tipos esdrúxulos de unção como a do leão, por exemplo, letras trazendo um relacionamento pessoal erótico para com Deus (veja meu texto sobre isso); cantar virado para a parede etc.

No entanto, esses problemas doutrinários trouxeram extremos do outro lado também. Por exemplo: há aqueles que dizem que não se deve usar a palavra Shekinah na igreja e alguns até afirmam que nem devemos pronunciá-la. O mais interessante é que isso vem com um aspecto de erudição, pois a palavra shekinah é uma transliteração da língua hebraica. Porém, entendemos aqueles que fazem isso. Existem tantos desvios e chavões no meio da igreja sem base nas Escrituras que muitos jogam a água, a banheira e o menino fora.

Muitas pessoas não entendem o que significa algo que tenha base bíblica. Não é porque uma palavra não exista no vernáculo ou nas línguas originais da Bíblia que temos autorização de dizer que não é bíblica. Por exemplo: não existe em nenhuma passagem da Bíblia, seja no vernáculo ou nas línguas originais, a palavra Trindade ou Triunidade. No entanto, não podemos dizer, jamais, que o que representa essa palavra não tenha base nas Escrituras. Da mesma forma a palavra Shekinah, não é porque ela não esteja em nenhuma passagem das Escrituras ou das línguas originais que não seja bíblico o que ela representa.

A razão de escrever esse texto é o perigo de alguém eliminar o que essa palavra significa juntamente com ela e o que o NT interpreta acerca do seu significado. O perigo se dá exatamente porque aqueles que afirmam que é errado trazem uma autoridade de erudição trazendo até um certo receio de alguns questionarem. Erudição, ao meu ver, que erra em coisas básicas de interpretação e percepção do que a Escritura afirma.

Pretendo, portanto, refletir sobre o seu significado e sua relação para com as Escrituras e a sua interpretação pelos apóstolos no NT.

1.     O que significa a palavra Shekina

A palavra shekinah aparece primeiramente na literatura judaica chamada Midrashica Tanchuma B que afirmava o seguinte:

Deus disse: Neste mundo, pelo intermédio de justos israelitas, indivíduos chegam a ser prosélitos. Mas no mundo vindouro aduzirei os justos de todos os povos, pondo-os embaixo das asas da Shekinah [Midrashica Tanchuma B parágrafo 38 – Wayyera]

Conforme alguns rabinos, esse termo veio antes mesmo do Cristianismo. Para se entender como os rabinos chegaram a essa palavra precisamos saber que o seu conceito veio, inicialmente de Is 57.15

Isaías 57:15  15 Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos.

A junção do verbo hebraico no particípio qal שכן (shakan) que foi traduzido na RA “que habita” juntamente com o substantivo עד (’ad) “eterno, eternidade” fazem a pronúncia de duas palavras formando um composto עד שכן (shakan ’ad).

Mediante a expressão composta “que habita a eternidade” que dá a expressão shakanad, os rabinos formaram um neologismo dessa junção com a mudanca apenas das vogais e formaram um substantivo שכינה (shekinah) que significava a manifestação de Yahweh vindo morar com o seu povo – ou seja – “a sua presença”. Isso se tornava fácil porque antes de Cristo e durante o primeiro século as vogais das palavras hebraicas eram apenas memorizadas. Elas foram acrescentadas no texto hebraico somente com os massoretas, muito depois. Depois disso, a palavra שכינה (shekinah) passou a ter como significado a glória que acompanhava o povo de Yahweh. Pode-se perceber isso em textos rabínicos como por exemplo a homilia rabínica a Zc 2.14

“Jubila e folga, filha de Sião; pois vê: venho e habito no teu meio!” está sendo dito que o Eterno “traz de cima a sua Shekinah e a faz pousar na terra”. No contexto desse pronunciamento, declara-se na mesma homilia que o Espírito Santo e a magnificência (Kabod) de Deus está sendo expressa pela Shekinah: “A presença de Deus em Israel quer confirmar Israel perante todo o mundo.” Deus quer estar no meio de Israel, “para publicar o louvor de Israel a todos os habitantes do mundo, que o Santo, bendito seja Ele, faça descer a sua Shekinah das alturas do céu para eles e a deixe pousar na terra”. Por toda a parte, onde a Shekinah se move para baixo ao repouso divino na terra, pousa também o Espírito Santo.
 [Peter Schäfer, Die Vorstellung vom Heiligen Geist in der rabbinischen [noção do Espírito Santo na literatura rabínica], Munique 1972, 92ss.; Arnold Goldberg, Ich komme und wohne in deiner Mitte [Virei e vou morar no teu meio]. Uma homilia rabínica a Zc 2,14 (PesR 35), FSJ 3, Francoforte sobre o Meno 1977, 23-28.55.

Conforme os estudiosos Josef Dan e Frank Talmage, foi o rabino Saadja Gaon que substituiu o conceito Shekinah por Kabod diretamente, embora que o conceito de kabod estava já implícito na shekinah [Josef Dan/Frank Talmage (ed.), Studies in Jewish Mysticism, Cambridge Mass. 1982, 96].

Conforme o TargumYerushalmi existe um comentário sobre Ex 13.21,22 que afirma: “A magnificência da Shekinah ia diante do povo, para escurecer o caminho aos perseguidores”.

Portanto, o conceito rabínico de Shekinah vem da própria Bíblia. Apesar de que a palavra foi criada por judeus e rabinos para falar da “presença e glória de Yahweh” não significa que esse conceito não seja bíblico. Quando se afirma que a Shekinah não é bíblica, está-se dizendo, em outras palavras, que não existe base nas Escrituras para a Glória e manifestação de Deus no meio de seu povo.

Se alguém advoga que essa palavra está mal empregada, coloca-se acima daqueles que são nativos da língua – e não tem nada mais insensato do que isso, pois se judeus que falam o hebraico em sua língua nativa fizeram um neologismo com a palavra שכן (shakan) para שכינה (shekinah) que significa a presença de Deus e relacionaram-na diretamente à presença de Deus em glória na saída do Egito, seria um estudante de hebraico de nossos dias que vai dizer que isso está errado?! Não tem nada mais cômico que isso.

Claro, não precisa ser muito exigente para entender que, segundo a Bíblia, onde Deus estava presente, a sua glória era manifestada. Apesar de que a palavra Shekinah não signifique glória, pois é outra palavra hebraica כבוד (kabod). No entanto, na palavra shekinah havia implícita a manifestação da glória, até mesmo no verbo hebraico שכן (shakan) tem uma relação direta à glória de Deus.

Na verdade, existem textos no VT que os autores usaram o verbo שכן (shakan) que estão relacionados diretamente à presença de Yahweh e à sua glória, embora que não tenham escritas as palavras “presença”, “glória” e “shekinah”. Vejamos:

Êxodo 40:35  5 Moisés não podia entrar na tenda da congregação, porque a nuvem permanecia sobre ela, e a glória do SENHOR enchia o tabernáculo.
O verbo usado para “permanecer sobre” é שכן (shakan). Está mais que claro que a nuvem é a manifestação da glória do Senhor.

Números 24:2  2 Levantando Balaão os olhos e vendo Israel acampado segundo as suas tribos, veio sobre ele o Espírito de Deus.

Nessa passagem, a relação com o Espírito de Deus com o verbo hebraico שכן (shakan) é evidente. O texto afirma que veio sobre Balaão o Espírito de Deus.

Números 35:34  34 Não contaminareis, pois, a terra na qual vós habitais, no meio da qual eu habito; pois eu, o SENHOR, habito no meio dos filhos de Israel.
Neste caso, o Senhor habita no meio dos filhos de Israel trazendo a sua glória e graça diante do seu povo.

Portanto, se alguém afirma que está errado dizer shekinah, dentro do conceito rabínico de presença e glória de Deus, está falando a mesma coisa para os significados que ela leva – a glória e a presença de Yahweh no mei de seu povo.

2.     A Shekinah segundo o NT

Precisamos, agora, aplicar a Shekinah de Deus manifestada no meio do seu povo com a interpretação dos apóstolos e com a revelação de Deus no NT.

Primeiro precisamos lembrar que o Senhor já prometia habitar e passear no meio do seu povo no VT:

Levítico 26:11-12   11 Porei o meu tabernáculo no meio de vós, e a minha alma não vos aborrecerá.  12 Andarei entre vós e serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo.

Jeremias 32:37-40  37 Eis que eu os congregarei de todas as terras, para onde os lancei na minha ira, no meu furor e na minha grande indignação; tornarei a trazê-los a este lugar e farei que nele habitem seguramente.  38 Eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus.  39 Dar-lhes-ei um só coração e um só caminho, para que me temam todos os dias, para seu bem e bem de seus filhos.  40 Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim.
Ezequiel 37:27  7 O meu tabernáculo estará com eles; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo.

Paulo confirma esses textos quando escreve aos coríntios da habitação de Deus no meio de sua igreja:

2 Coríntios 6:16  16 Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos? Porque nós somos santuário do Deus vivente, como ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo.

Na verdade, Deus não só habita dentro dos corações, mas no MEIO de sua igreja. Paulo confirma isso falando de novo aos coríntios:

1 Coríntios 3:16  16 Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?

Nessa passagem, Paulo fala da habitação do Espírito de Deus entre o seu povo, pois o contexto fala da igreja no geral. Tanto que no verso posterior, Paulo fala que aquele que destrói o santuário de Deus é digno de juízo (v.17). Paulo está tratando das várias divisões que estava havendo na igreja de corinto. Diferente do texto de 1Co 6.19 que Paulo está falando do corpo de cada crente e de santificação na área sexual.

Na verdade, Paulo não só confirma o VT, mas as palavras de Jesus que ensinou isso ao falar de sua igreja:

Mateus 18:20  20 Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.

Portanto, quando alguém ensina que Deus habita apenas nos nossos corações, está caindo em erro grave de interpretação.

3.     A shekinah é a presença do seu Espírito Santo

Conforme o VT, nos últimos dias Deus derramaria o Espírito Santo em toda carne e através deste Espírito um exército se levantaria de um vale de ossos secos (Jl 2.28-30; Ez 37). Deus ainda falou através dos profetas que daria o seu Espírito e seu povo habitaria juntamente com ele, aprendendo as suas Palavras (Ez 36.26-33).

Em Atos, isso demonstra que se cumpre, pois tantos judeus, gentios recebem o Espírito Santo, pois Pedro entendeu isso como cumprimento:

Atos 2:39  39 Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar.

Aquele Espírito prometido estava sendo derramado a todos de todas as nações que se achegassem a Deus e o buscassem. A glória de Deus não mais enchia um lugar físico (1Rs 8.11), mas agora enchia pessoas e essa glória era a presença do Espírito Santo (At 2.4; 4.31).

No entanto, apesar de que Deus agora enche os nossos corpos, pois somos o seu santuário, a Igreja (a reunião dos crentes) não deixou de ser o lugar da presença e da glória de Deus – o seu santuário, como os textos supra citados indicaram. Podemos perceber isso ainda nos ensinos de Paulo:

1 Coríntios 10:16  16 Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo?

Paulo demonstra que ao comungarmos na Ceia do Senhor estamos participando da comunhão de Cristo e isso se dá pela sua presença no meio de sua Igreja, pois a sua glória também está na pessoa de seu Espírito. Por isso que Paulo fala no v.21 que não podemos participar da mesa do Senhor e ao mesmo tempo da mesa dos demônios. Ora Paulo está usando uma figura de linguagem chamada “metonímia” que se refere ao Senhor e aos demônios. Em outras palavras, Paulo está exortando que a Igreja não tenha comunhão com os demônios em suas liturgias e festas, mas com o Senhor na Ceia.

Em outra passagem, Paulo afirma que a manifestação do dom de profecia pode manifestar a presença de Deus demonstrando que ele está no meio de sua igreja:

1 Coríntios 14:24-25   24 Porém, se todos profetizarem, e entrar algum incrédulo ou indouto, é ele por todos convencido e por todos julgado;  25 tornam-se-lhe manifestos os segredos do coração, e, assim, prostrando-se com a face em terra, adorará a Deus, testemunhando que Deus está, de fato, no meio de vós.

Paulo ensina aqui que a presença de Deus no meio da igreja é uma realidade. No contexto dos dons espirituais (1Co 12.11), essa presença vem pelo Espírito de Deus.

Portanto, a Shekinah de Deus no NT é a presença do Espírito Santo nos nossos corações e no meio da sua igreja consolando, operando através dos dons e falando através da sua Palavra.

Sabendo disso, jamais poderia ser errado pedir para que Deus derrame sua Shekinah sobre nós, pois a Shekinah de Deus é a presença do seu Espírito no meio de sua igreja.

Isso seria semelhante um nordestino inventasse um termo para dizer que a glória e a presença de Deus fosse “Arretado”. Se ele dissesse: “Senhor, derrama o teu Arretado sobre nós”, estaria errando só por que não está na Bíblia a palavra “arretado”? Embora a palavra “arretado” não esteja na Bíblia, o que ela significa está. Da mesma forma, os judeus inventaram uma palavra para a glória de Yhaweh e a chamaram de Shekinah, quem será apto para dizer que está errado?

Portanto, termino orando: Senhor, derrama tua Shekinah sobre nossas vidas, sobre o Brasil e sobre tua igreja.